RECUPERANDO A CRIATIVIDADE ESQUECIDA


“Viver criativamente significa ser você mesmo, e não apenas cumprir com os desejos de outras pessoas.” Matt Groening.

Acredite ou não, todos temos capacidades criativas, as quais abandonamos com o crescimento e aculturação. Mesmo assim, elas continuam lá, de forma latente, podendo ser despertadas, não exatamente como na história da bela adormecida, mas através de um pouquinho de treino e de compromisso conosco mesmos.

Vamos também deixar claro que não há treino (ainda) capaz de nos tornar um Einstein, Leonardo, Beethoven ou Mozart, posto que essa “chama” da genialidade, embora exaustivamente estudada, continua tão elusiva quanto uma fantasia.

Vamos rever o que é mesmo Criatividade e como pode ser vista:

Como uma habilidade: a definição mais simples de criatividade é a habilidade de imaginar ou inventar algo novo. Naturalmente, não é criar coisas a partir do nada (caso você acredite, essa é uma habilidade específica de Deus), mas a habilidade de criar idéias novas, mudando, combinando ou usando de formas diferentes idéias preexistentes. Algumas idéias são impressionantes, fantásticas, brilhantes, mudam o paradigma de uma disciplina; outras (a grande maioria delas) são simples, boas, práticas, coisas que ninguém ainda tinha pensado a respeito.
Como exemplo, o filminho no youtube que alguém me mandou, mostrando uma japonesinha separando a gema da clara num ovo. Absolutamente brilhante, em minha opinião de estabanada criatura, capaz de fazer melecas enormes com essa simples tarefa.
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Como uma atitude: é a habilidade de aceitar mudanças e novidades; a vontade e o prazer de brincar e se entreter com idéias e possibilidades; a flexibilidade nas perspectivas; o hábito de curtir o que é bom e gostoso, e, ao mesmo tempo, procurar maneiras de melhorar a coisa. Usualmente, somos socializados para aceitar apenas o que é definido como “normal”, o que acaba sendo extremamente limitante. Dizia meu avô que “a necessidade é mãe de todas as virtudes”, e embora tenha “googlado” a tal frase mais do que uma vez, ainda não descobri quem é o autor, mas gosto dela e para mim é fato. Já imaginaram o grau de fome da primeira criatura que comeu um camarão? Porque, convenhamos, aquilo é feio! Os franceses a desenvolverem todos seus molhos, porque a carne que comiam já vinha meio podre?
A criatura que achou que misturando o pó de cacau, aquela coisa amarga de doer, com leite, dava a delícia do chocolate? E assim ad infinitum.

Como Processo: ao contrário do mito de que os criativos produzem suas coisas assim, de repente, num ataque de brilhantismo, na realidade a coisa é produto de trabalho sério e contínuo, para melhorar idéias e soluções, fazendo alterações graduais, refinando a obra. Há muitas histórias de companhias que tomaram a invenção do inventor, para poderem vender o produto, pois senão, o inventor ia ficar remexendo naquilo, sempre tentando melhorar.
Comecei a comer a sopa de peixe do Rufino há muitas e muitas luas atrás. Fiz todo o possível para conseguir a receita, sempre com recusa por parte do criador da citada sopa. Hoje, depois de muita porcaria, juro que a minha é melhor que a dele!

A pessoa criativa sabe que sempre há espaço para melhora, e como faz muito tempo que não tomo a sopa original, posso achar o que quiser, posto que não tenho fatos para atrapalhar minha crença.

Há também os Métodos Criativos, e aqui vou trazer só os clássicos, que são:

Evolução: Método da melhora incremental. Idéias novas são criadas a partir de outras idéias, soluções novas a partir das preexistentes, as novas um pouquinho melhores que as anteriores, e assim por diante. O fazer algo um pouco melhor, gradualmente torna essa coisa muitíssimo melhor e, às vezes, completamente diferente. Pensem no avião, no carro, no telefone, desde aquele negócio inventado pelo Graham Bell até o IPhone5, com tantas capacidades que, juro, não sei usar a metade e provavelmente não aprenderei, pelo simples fato de que não gosto de telefone.
O método evolucionário de criatividade tem um princípio básico: “Cada problema que já foi solucionado, pode ser solucionado de novo de um jeito melhor”. Pensadores criativos não compram a idéia de que uma vez que um problema foi solucionado pode ser esquecido, ou a noção de que “se não estiver quebrado, não conserte”. A filosofia de um pensador criativo é a de que não há “melhoras insignificantes”.

Síntese: Com esse método, duas ou mais idéias preexistentes se combinam numa terceira e nova idéia.
Combinando a idéia de um livro e uma fita cassete, surgiram os livros que podem ser escutados, idéia ótima tanto para cegos quanto para ganhar tempo enquanto se dirige.

Revolução: Quando a melhor idéia é uma completamente diferente, que não existia antes. Por exemplo, usando a filosofia evolutiva, os professores podem se perguntar: “Como posso melhorar minhas aulas?”.
A idéia revolucionaria foi a do professor que achou de inventar, por exemplo, os trabalhos em grupo, mudando a pergunta “como posso melhorar minhas aulas” para “como os alunos podem aprender melhor?”.
Outro exemplo que vi por aqui outro dia: a tecnologia evolutiva para acabar com cupins nas casas foi a de desenvolver pesticidas mais potentes e seguros para formas de vida “não cupins”, como os humanos e bichos de estimação que moram nas casas. A mudança revolucionária foi o abandonar os raios dos gases em favor, ou do nitrogênio líquido, que congela as praguinhas, matando-as, ou as microondas, que as cozinham. Agora, a verdadeira enorme revolução veio da pergunta: “Como é que se previne a praga?” A resposta foi uma isca para cupins que é colocada no solo, em volta de todo o perímetro da casa.

Reaplicação:
É o olhar a algo velho de um jeito novo, ir além dos rótulos; é o remover preconceitos, expectativas e suposições, e descobrir como algo pode ser reaplicado. Exemplos disso vejo todo santo dia no facebook, com as idéias de reciclagem, tipo usar garrafas plásticas para fazer hortazinhas suspensas, usar pneus velhos para fazer vasos, etc...etc…etc…

Ainda me lembro do primeiro exemplo disso que vi na vida, quando minha avó, ao aposentar seu velho ferro de passar roupa, aquele pesadão de ferro mesmo, que se enchia de brasas ardentes, plantou, dentro do mesmo, gerânios vermelhos. Ficou lindo demais.
Ou o gênio que descobriu que detergente, desse usado para lavar pratos, funciona lindamente para remover o DNA de bactérias no laboratório.
Ou seja, é ver além do óbvio, o que é possível.

Mudança de Direção:
muitos avanços criativos ocorreram quando a atenção é desviada de um ângulo do problema para outro, o que é chamado de visão criativa (creative insight).
O exemplo que uso é do departamento de autoestradas da Califórnia: estavam eles tentando fazer com que bandos de adolescentes deixassem de usar uma vala de drenagem como local de skateboarding . Botaram uma cerca, os meninos fizeram um rombo na mesma. Botaram outra cerca mais resistente, mesmo resultado. Colocaram placas ameaçadoras, nada. Daí alguém resolveu mudar a direção e perguntou: “Qual é o problema aqui? Não é o fato de que os meninos continuam a atravessar as barreiras, mas sim que eles querem praticar skateboard na vala. O que podemos fazer para que eles não queiram mais fazer isso?” A solução foi botar concreto na base da vala, removendo a curvatura, e criando um ângulo agudo, tornando impossível a atividade. Acabou o problema do skateboarding e das cercas.

Este exemplo foi escolhido, por revelar uma verdade crítica na solução de problemas: A META É RESOLVER O PROBLEMA, NÃO IMPLEMENTAR UMA OU OUTRA SOLUÇÃO EM PARTICULAR.
Quando uma coisa não funciona, mude para outra!
Não há compromisso com determinado caminho, apenas com a meta.

A fixação numa determinada forma de solução pode se tornar um problema se não entendermos isso. Tornamo-nos excessivamente comprometidos com algo que não funciona e o resultado é apenas muita frustração.
Exemplos disso, vi minha vida toda na área médica, e, o que não vi, li na história da medicina. Aliás, evidências disso estão nas notícias de todos os dias.

Vejamos então: lá por 1641, Renée Descartes decidiu que mente e corpo são duas entidades separadas, inventando o Dualismo, que até hoje atravanca o progresso em várias áreas, e é por causa dele que temos as doenças mentais e as outras, como se o cérebro não fizesse parte de nosso corpo, andasse numa cestinha que carregamos, e usamos de vez em quando, isso quase 500 anos depois. As evidências em contrário que se danem.

O oriente médio está em chamas porque as pessoas têm brigado de “Meu Deus é melhor que o seu”, “Minha verdade é evidente, a sua é mentira”, e seguimos os livros sagrados não como medida de viver em comum, mas como “verdades incontestáveis”, sem parar para pensar porque é que algo há de ser “incontestável”.

Aqui nos EUA, tenho seguido com interesse e, confesso, enorme dose de ironia, a briga para tirar a Teoria da Evolução das salas de aula, porque afinal de contas, é só uma teoria, e se essa é para ser estudada, então Criacionismo tem que ser também.
A parte ironica é pensar que, se ensinarem todos os Criacionismos, não vai dar tempo de ter aula de mais nada.

Então, a fim e a cabo, criatividade é a curiosidade por todas as coisas. É a capacidade de nos maravilharmos com o mundo, é o poder mudar de idéia, como famosamente disse J.K.: “Claro que mudo de idéia! Não tenho compromisso com o erro”.

É o nos permitirmos observar, tentar, errar e continuar fazendo. Basicamente, é olhar o mundo com olhos de criança, e trabalhar duro, feito adulto.

“Criatividade requer a coragem de largar nossas certezas”
. Erich Fromm.

No próximo post, veremos o que destrói a criatividade.

NA: Abaixo vai uma listinha das obras usadas para este post.

Cognition, Creativity, and Behavior: Selected Essays: Robert Epstein, ISBN-10: 0275944522, 1996

Eric Seligman Fromm
(23 Março 1900 – 18 Março 1980, Frankfurt, Alemanha).Psicologo social, psicanalista, sociologo, humanista, filósofo.Em 1941 escreveu “Fugindo da liberdade”, considerado obra seminal da psicologia social.A base de sua filosofia humanista é a reinterpretação da saida de Adão e Eva do paraíso, onde considera a busca do conhecimento uma virtude, e não um pecado.

Matthew Abraham Groening (15 Fevereiro 1954). Criador da série “Os Simpsons”entre outras.

Understanding Creativity: The Interplay of Biological, Psychological, and Social Factors:John S. Dacey, Kathleen H. Lennon, ISBN-10: 0787940321, 1998.

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