NÃO, NÃO E NÃO. NÃO É POSSIVEL DESINTOXICAR O ORGANISMO.

Esse é um ajuntamento/resumo de montes de artigos na área. Estou ciente que quanto mais se fala no assunto, menos diferença faz, porque temos enorme dificuldade de abrir mão de nossas crenças, não importa quão absurdas sejam. Mas, otimista que sou, também acredito piamente que água mole em pedra dura tanto bate até que fura.

De pepinos batidos com água a enemas das mais variadas substâncias, de fotos de modelos maravilhosas ao lado de uma pilha de vegetais, lhe contando o segredo de sua dieta alcalina, paleo, zero, e quantos mais nomes achar, a médicos, curandeiros, pai de santo, trainers, celebridades jurando por “super alimentos”, dieta do tipo sanguíneo, dieta do sol, da lua, da água, da sopa... é difícil não ser tragado pela indústria do “detox”.

A ideia de que podemos lavar nossos pecados calóricos é o antídoto perfeito para nossos estilos de vida cheios de junk food e vidas sociais regadas a álcool. Então, antes de comprar o novo livro sobre sucos, ou sair correndo para a clínica de irrigação do cólon, há algo que você precisa saber: a ideia de que é possível você lavar e enxaguar nosso sistema de impurezas e deixar os órgãos limpíssimos e novos é uma balela. É um conceito pseudo-médico projetado para vender coisas.
Não me entendam mal. Desintoxicação ou Detoxificação é um termo médico legítimo, mas que foi transformado numa estratégia de marketing, destinada a tratar/curar condições não existentes.

No cenário de verdadeira medicina, desintoxicação significa tratamento para níveis perigosos de drogas, álcool, ou venenos, como os metais pesados. Tratamentos de desintoxicação são procedimentos médicos que não são casualmente selecionados a partir de um menu de tratamentos de saúde alternativos, ou pegos na prateleira da farmácia. Desintoxicação real é feita em hospitais quando há circunstâncias que ameaçam a vida.

E aí entram as "toxinas”, que os provedores de saúde alternativa dizem eliminar. Esta forma de desintoxicação é simplesmente a cooptação de um termo real para dar legitimidade a produtos e serviços inúteis, confundindo os consumidores para que pensem que a coisa é “cientificamente baseada “ou pior “cientificamente provada”. Avaliar qualquer “detox” é simples, basta compreender a ciência das toxinas, a natureza da toxicidade, e como os rituais, kits e programas de detox funcionam para eliminar as citadas.

PREMISSAS

NOSSOS ORGANISMOS ACUMULAM TOXINAS

Há uma boa razão para acreditarmos na propaganda da comercialização da desintoxicação: parece que estamos programados para acreditar que precisamos dela, provavelmente relacionado à nossa susceptibilidade às ideias de magia. Os rituais de purificação são tão antigos quanto a história da humanidade. A ideia de que estamos de alguma forma nos envenenando e precisamos expiar nossos pecados parece ser parte da natureza humana, o que pode explicar por que ainda é parte da maioria das religiões do mundo.

Hoje em dia não estamos mais preocupados com os “miasmas “ou o ato de pecar, tendo isso se transformado numa coisa chamada “autointoxicação”. Interessante é que a ciência descartou tal teoria lá pelo ano de 1900, quando iniciamos a ter uma melhor compreensão de anatomia, fisiologia, e das reais causas das doenças. Apesar disso, persiste a ideia entre os praticantes alternativos. A versão atual da autointoxicação argumenta que uma combinação de aditivos alimentares, glúten, sal, carne, fluoreto, medicamentos, poluição atmosférica, ingredientes das vacinas, OGM, e talvez a garrafa de vinho de ontem à noite, estão causando um acúmulo de "toxinas" no corpo.

Mas o que é “toxina" e como causa tais danos? Nada mais é do que um termo sem sentido que soa científico o suficiente para ser plausível. Uma característica uniforme dos tratamentos de desintoxicação é a incapacidade de nomear as toxinas específicas que esses rituais, sucos, kits e enemas irão remover. Por exemplo, a companhia RENEW LIFE (Renovação da Vida) promete:
“CleanseSmart (Limpeza Esperta) é parte de um avançado programa de limpeza com ervas, de 30 dias. É formulado para estimular o processo de desintoxicação do corpo pelos seus 7 canais de eliminação: fígado, pulmões, cólon, rins, sangue, pele e sistema linfático. No mundo tóxico de hoje, limpeza e desintoxicação são uma necessidade. Toxinas entram no nosso corpo diariamente através do ar que respiramos, do alimento que comemos e da água que bebemos. Ao longo do tempo, essas toxinas se acumulam e, lentamente, começar a afetar a nossa saúde de forma negativa.
Através de limpeza e desintoxicação, você fará com que seu corpo trabalhe melhor este processo de carga tóxica. A redução da carga tóxica no seu corpo diminui o risco de desenvolver problemas crônicos de saúde, melhora a saúde geral e a resposta imune, e pode aumentar os níveis de energia. CleanseSmart trabalha para limpar e desintoxicar o corpo inteiro, mas com foco em duas principais vias de desintoxicação do corpo - o fígado e o cólon. CleanseSmart é essencial para ajudar a eliminar a constipação e melhorar a saúde do intestino. ”

Note a linguagem vaga. Toxinas são aludidas, mas não nomeadas. Parece plausível, mas não é específico, e parece que, mesmo que se esteja bem e saudável (e, presumivelmente, livre de toxinas), ainda assim, uma desintoxicação é recomendada.

O cólon permanece o marco zero para os defensores da desintoxicação. Eles argumentam que uma espécie de lama tóxica (às vezes chamada de placa mucoide), se acumula no cólon, tornando-o terreno fértil para parasitas, Cândida (levedura) e outras porcarias. Felizmente, a ciência nos diz o contrário: placas mucosas e lama tóxica simplesmente não existem. É uma ideia inventada para vender tratamentos de desintoxicação. Pergunte a qualquer gastroenterologista (aquela criatura que vive olhando dentro dos cólons dos outros, para ganhar a vida) se já viu um. Não há um único caso documentado na literatura médica. Nenhum.

DOENÇAS SÃO RESULTADOS DAS TOXINAS
Os materiais de marketing para tratamentos de desintoxicação, tipicamente descrevem uma variedade de sintomas e doenças ligados ao acúmulo de toxinas: algumas, gerais, que podem ser aplicadas a qualquer pessoa (por exemplo, dor de cabeça, fadiga, insônia, fome) com algumas especificidades para assustá-lo (câncer, etc.). Quais toxinas causam qual doença ou como as toxinas causam os sintomas, nunca é realmente explicado. Aqui, novamente, vemos o contraste com a ciência real. Para estabelecer que mesmo um único produto químico pode causar a doença requer uma quantidade significativa de investigação (ou seja, todo o campo da epidemiologia). Apesar da variedade de toxinas que são requeridas para estar causando sua doença, alegações de marketing para tratamentos de desintoxicação jamais vinculam toxinas específicas a sintomas ou doenças específicas.

A realidade é que os nossos corpos estão sendo constantemente expostos a uma enorme variedade de produtos químicos, naturais e sintéticos. A presença de qualquer produto químico no corpo, (natural ou sintético) não significa que ele está fazendo mal. Muitas substâncias de origem natural podem ser excepcionalmente tóxicas e, consequentemente, o corpo humano desenvolveu um notável sistema de defesas e mecanismos para, tanto se defender contra quanto para remover substâncias indesejadas. A pele, rins, o sistema linfático e gastrointestinal, e principalmente o fígado, compõem nosso sistema de desintoxicação intrínseco, espantosamente complexo e sofisticado. É importante ressaltar que a dose faz o veneno - até mesmo a água pode ser tóxica (hiponatremia dilucional), quando consumidos em quantidades excessivas.

Os defensores da desintoxicação usualmente descrevem o fígado e os rins como filtros, nos quais as toxinas são fisicamente capturadas e retidas, e que, portanto, tais órgãos devem ser “limpos” periodicamente, como se lava uma esponja, ou o filtro do aspirador de pó. Mas a realidade é que rim e fígado não funcionam dessa maneira. O fígado realiza uma série de reações químicas para converter substâncias tóxicas em substâncias que possam ser eliminadas na bílis, ou rins. O fígado é órgão auto-limpante: as toxinas não se acumulam nele, e, a não ser que a pessoa tenha uma doença hepática, geralmente funciona sem qualquer problema. O rim excreta resíduos na urina, caso contrário, a substância permanece no sangue. Argumentar que qualquer órgão precisa de uma "limpeza" é demonstrar uma profunda ignorância da fisiologia humana, metabolismo e toxicologia.

TRATAMENTOS DE DESENTOXICAÇÃO REALMENTE REMOVEM TOXINAS

Se fizer uma busca na literatura médica a respeito do assunto, vai encontrar absolutamente nada. Não há qualquer evidência demonstrando que os tais kits de desintoxicação façam qualquer coisa, boa ou má que seja, ou que removam as tais toxinas ou que ofereçam benefícios para a saúde. O mesmo pode ser dito para o charlatanismo como enemas de café (não há nenhuma evidência credível para apoiar as reivindicações que enemas do café ajudam o organismo a "desintoxicar" compostos, ou ajudar a função do fígado de forma mais eficaz). Injeções de vitamina são outro tratamento que não oferece qualquer benefício significativo, nem têm qualquer efeito benéfico sobre a capacidade do fígado ou rins para que trabalhem de forma eficaz. Injeções de quelação são apregoadas como uma panaceia para todos os tipos de doenças, mas ao contrário da quelação real, que é administrada em hospitais, para casos reais de envenenamento, a quelação naturopata não é baseada em ciência e não parece fazer muita coisa (a não ser, provavelmente, o velho e bom efeito placebo, no qual, se a pessoa acredita que aquilo a fará se sentir bem, bem se sentirá por um tempo).

DESENTOXICAÇÃO PODE SER PREJUDICIAL?

Quando a coisa é uma simples alteração da dieta, provavelmente não fará mal algum. Coma mais quinoa e brocoli e menos alimentos processados, é conselho razoável para todos.

Tratamentos de desintoxicação homeopáticos também não causam qualquer dano, desde que não há nenhum ingrediente ativo nas tais medicações, e nada mais é que um elaborado sistema placebo.

Agora, quando se vai para tratamentos que contenham ingredientes ativos, aí a coisa começa a ficar arriscada.

Enemas de café são perigosos, pois podem causar septicemia, perfuração retal e abnormalidades eletrolíticas e até morte.

Injeções de vitaminas não são tão arriscadas, claro se seu provedor alternativo seguir as regras de esterilização adequadas. Mas, considerando que, muitos deles acham correto injetar coisas que foram feitas para ingestão oral, melhor pensar bem a respeito, antes de usar injeções de vitaminas ou quelação, considerando que não há qualquer expectativa de benefícios.

Então, que tal os “kits detox”?
Estes variam, mas no geral, contém, basicamente, laxantes, como o assim chamado “estimulante” para o fígado, leite de cardo (Silibum marianum).
Se o fígado não pode ser espremido, esticado e rejuvenescido, feito a pele, será que pode ser impulsionado a fazer um trabalho melhor? Cardo é o produto mais popular para a pretendida "estimulação “da eficácia do pobre coitado. Não existem estudos publicados demonstrando que tenha um efeito desintoxicante no fígado. Leite de cardo tem sido estudado em doentes com doença hepática alcoólica, e em doentes com hepatite B ou C, e não foi encontrado nenhum efeito significativo. Não há nenhuma evidência para sugerir que o consumo de leite de cardo irá purificá-lo de "toxinas" inominadas.
Usualmente, os outros componentes são: hidróxido de magnésio, sena, ruibarbo, cascara, enfim, todos laxantes, e lhe dão o efeito que você pode ver e sentir, uma baita diarreia. No entanto, estes ingredientes podem causar desidratação e desequilíbrio eletrolítico se não forem usados com cuidado. O uso regular de laxantes, como sena e cascara, não é aconselhável, devido ao risco de dependência e de depleção eletrolítica. Eles estão entre os laxantes mais potentes, normalmente usados por períodos curtos para aliviar constipação significativa ou para limpar suas entranhas antes de um procedimento médico. Com o uso regular, o intestino pode se acostumar com os efeitos, o que, por sua vez, resulta em prisão de ventre ao parar de usá-los. É um caso perfeito do tratamento causar a doença: após a desintoxicação, você fica constipado, e aí precisa de outra desintoxicação!
Efeitos colaterais podem continuar após o término da desintoxicação, coisas como náusea e diarreia, o que os que acreditam na coisa explicam como sendo “as toxinas deixando seu corpo”. Uma explicação mais plausível é que isso é simplesmente uma consequência do recomeço do processo digestivo, após um período de catarse, onde, dependendo da extensão e duração do jejum, a digestão foi pouca ou nenhuma, e a flora normal gastrointestinal pode ter sido severamente perturbada.
É o mesmo efeito visto em pacientes hospitalizados que, inicialmente tem dificuldade de ingerir alimentos depois de terem sido alimentados intravenosamente.
Os ingredientes nos kits detox, e a catarse resultante, podem irritar tanto o cólon que o pobre vai precisar de um tempo para voltar ao normal.
Perda de peso também não é incomum depois de uma detox, mas infelizmente é causada por perda de água e às vezes, tecido muscular, e a pessoa vai ganhar tudo de novo se a dieta e níveis de atividade física permanecerem os mesmos.

CONCLUSÃO

Qualquer produto ou serviço com as palavras “detox, purificação e/ou limpeza “em seu nome, só vai ser efetivo em limpar sua carteira do suado dinheirinho.
As ideias de desintoxicação e limpeza não têm nenhuma base na realidade. Não há nenhuma evidência que sugira que kits, rituais ou tratamentos de desintoxicação tenham qualquer efeito sobre a capacidade do nosso corpo de eliminar resíduos de forma eficaz. Por outro lado, podem prejudicar bastante. "Detox" centra a atenção em questões irrelevantes, e dá ao consumidor a impressão de que é possível desfazer decisões de estilo de vida com soluções rápidas. Uma boa saúde, não é encontrada num maço de ervas, numa garrafa de homeopatia, ou um saco de café enfiado no reto (o que considero um insulto aos apreciadores do dito cujo, o café, digo). As implicações e consequências de um estilo de vida com uma dieta pobre, falta de exercício físico, tabagismo, falta de sono, uso e abuso de álcool ou qualquer outra droga, não pode simplesmente ser lavado ou purgado.

Edrd Ernst, professor emérito de Medicina Complementar na Universidade de Exter, explica: "Há dois tipos de desintoxicação: uma é respeitável e a outra não é. A respeitável, é o tratamento médico de pessoas com vícios de drogas, com risco de vida. A outra é a palavra que está sendo sequestrada por empresários, curandeiros e charlatães, para vender um tratamento falso que supostamente desintoxica seu corpo de toxinas que você é levado a acreditar que acumulou. Se toxinas se acumularam em seu corpo de uma maneira que o mesmo não consegue se desfazer delas, você já estaria morto, ou certamente numa UTI. O corpo saudável tem rins, fígado, pele, pulmões que são desintoxicantes que funcionam 24 hs, 7 dias por semana. Não há nenhuma maneira conhecida, e certamente não através de tratamentos de desintoxicação, para fazer algo que funciona perfeitamente bem, no caso, um organismo saudável, fazê-lo funcionar melhor."

O melhor estilo de vida 'detox' é aquele no qual não se fuma nem se usa drogas, se faz exercício físico e se tem uma dieta equilibrada saudável como a dieta mediterrânea. Imagina só a cena de uma mesa rústica, debaixo de uma árvore, com o Mediterrâneo azul ao fundo, e em cima da mesa, carnes, peixes, azeite, queijos, saladas, cereais integrais, nozes e frutas. Todos esses alimentos nos dão todas as proteínas, aminoácidos, gorduras insaturadas, fibras, amido, vitaminas e minerais para manter o corpo e seu sistema imunológico (o maior protetor de problemas de saúde), funcionando perfeitamente.

Então, por que, com essa festa disponíveis (pelo menos o que está em cima da mesa, já que, a depender de onde moramos, a oliveira e o Mediterrâneo complicam um pouco) sentimos a necessidade de nos punir para sermos saudáveis? Estaríamos inconscientemente definidos por milênios culturais, a querer “detox”, dado que muitas das mais antigas religiões praticam o jejum e os rituais de purificação? Teria o despertar científico desviados os maus espíritos para a periferia, substituindo-os por toxinas ambientais, das quais achamos que temos que nos livrar?

Susan Marchant-Haycox, psicóloga em Londres, acha que não. Diz ela: "Tentar amarrar desintoxicação com práticas religiosas antigas não faz sentido. Precisamos olhar para nossa composição social de um passado muito recente. Na década de 70, apareceram todas essas academias, e de lá para cá tivemos a proliferação da indústria da beleza e da dieta, com as pessoas cada vez mais conscientes a respeito de determinados grupos de alimentos e assim por diante. A indústria da desintoxicação é apenas uma continuação daquilo. Há um monte de dinheiro em jogo e muitos fazendo o jogo”.

Peter Ayton, professor de psicologia na City University de Londres, concorda e diz: Todos nós somos suscetíveis a tais artimanhas porque vivemos em um mundo com tanta informação que ficamos felizes em diferir responsabilidade para outras pessoas que possam entender melhor as coisas. Por exemplo, para entender a composição de seu shampoo, você precisa ter PhD em bioquímica, coisa que a maioria de nós não tem. Então, se a coisa parece razoável e plausível e invoca um conceito familiar, como desintoxicação, então ficamos felizes em ir com a onda. Muitas de nossas decisões de consumo, são feitas na ignorância e na suposição, que raramente são contestadas ou esclarecidas. As pessoas supõem que o mundo é cuidadosamente regulado e que existem instituições benignas guardando-os de fazer qualquer tipo de erro. Um monte de marketing pesado alimenta essa ideia, subrepticiamente. Então, se as pessoas veem alguém com (aparentemente) as credenciais certas, pensam que estão ouvindo um médico respeitável e confiam em seus conselhos. "

E la nave vá.

Comentários

  1. muito bom artigo. no entanto nao posso deixar de copiar uma frase que gostei bastante:
    Uma boa saúde, não é encontrada num maço de ervas, numa garrafa de homeopatia, ou um saco de café enfiado no reto (o que considero um insulto aos apreciadores do dito cujo, o café, digo).

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