E ASSIM, MUDEI DE IDÉIA



Para os que estão seguindo, devo informar que mudei o jeitão do blog.

Comecei com a idéia de traduzir artigos na área psi, que pudessem trazer algum benefício no dia a dia, se alguém se desse ao trabalho de seguir as receitas.

E me peguei cometendo atos de traição intelectual.

Tudo bem, nunca roubei uma idéia dizendo que era minha nem nada disso, posto que é uma coisa que sempre detestei do mais profundo de minha alma, e lembro perfeitamente do ódio que senti quando Proust não se levantou da cova para reclamar a “saudade das carolinas”, desavergonhadamente impressas no livro que estava lendo.

Não, não foi isso.

O que aconteceu é que as traduções começaram a se parecer muito mais comigo do que com o ator/autora de direito.

No início fui me desculpando do tipo, tinha que colocar exemplos que fizessem sentido em português, para o Brasil, então, o exemplo era algo totalmente diferente do original.

Essa explicação lógica, não me satisfaz mais, ou porque mudei, ou porque as coisas mudaram, ou pelo conjunto da obra.

Então vou voltar às minhas bases, de professora que sou.

Gosto imensamente de dar aulas, principalmente pelo fato de que, usualmente é o local onde mais aprendo.

Sempre tem um aluno ou outro que vem com uma pergunta de um jeito que faz pensar coisas nas quais nunca se pensou antes.

Também sou italiana, adoro discutir.

Clarifiquemos: discutir é trocar idéias, não é tentar convencer ninguém de que minha idéia é melhor que a sua ou a sua é melhor que a minha.

Discutir é deixar a imaginação acender um fogaréu debaixo do caldeirão do conhecimento, e apreciar os aromas que de lá se desprendem.

Então, a nova proposta é esta discussão.

Assim, começo com um resumo da proposta do último Simpósio de Neuroeducação, que é, basicamente incrementar os estudos de artes no primeiro grau, pelas seguintes razões:

1- Artes  aumentam a autoconfiança das crianças que são mais lentas no aprendizado de leitura e matemática.

Essa constatação foi consequente a um estudo aqui, para descobrir porque era tão alta a taxa de desistência, no ginásio, de crianças pertencentes às classes economicamente mais baixas na população, quando comparado com outros países desenvolvidos. 

Crianças aqui funcionam por comparação com outros.  Então quando acham que não podem ser tão boas quanto… simplesmente largam tudo.

Por  outro lado, na maioria dos países Asiáticos, os professores são treinados para ter em mente os seguintes dados:
  
a) Uma das melhores formas de predizer a incidência de criminalidade juvenil num determinado lugar é através da magnitude da diferença entre o aprendizado de leitura e matemática entre crianças de classes mais e menos privilegiadas sócio-economicamente.
   Quanto maior a diferença, maior a incidência de criminalidade.

b) O tamanho dessa diferença é também um excelente indicador de incidência de criminalidade entre adultos, depressão e dependência a álcool e/ou outras drogas.

Os EUA têm a maior diferença entre as classes, dentre os países desenvolvidos, e o Japão a menor.

Uma das estratégias para acabar com essa auto avaliação negativa  em crianças é proporcionando-lhe oportunidades para ser bem sucedido/a em alguma coisa dentro da  sala de aula, coisas como, por exemplo, dança, filmes, musica.

Uma criança de 8 anos de idade que esteja tendo dificuldade com aritmética e leitura, mas cujo desempenho com um instrumento musical seja superior ao daqueles no topo da hierarquia do aprendizado formal, vai ter enorme impulso em sua confiança quanto a “poder fazer algo”, que provavelmente vai se generalizar para outras áreas mais formais.

Um relatório  na revista Science demonstrou que o simples fato de fazer alunos de sétima e oitava série escreverem curtas redações sobre a importância de um valor pessoal melhorava a média das notas, principalmente entre os mais desfavorecidos economicamente.

No entanto, é importante que esses produtos artísticos não sejam classificados ou graduados, como é feito para as outras áreas, ou vamos  destruir os benefícios do programa em si.

A idéia a ser comunicada é de que cada trabalho musical, cada desenho, qualquer coisa artística que a criança faça, é aceitável e boa, pois reflete sua tentativa pessoal de criar algo belo.

2- O curriculum de arte/música pode ajudar crianças da classe média que foram infantilizadas por pais super protetores, excessivamente preocupados com suas notas e atividades extracurriculares.

Quando era criança, meus pais e os pais de amigos e amigas nem pensavam que poderíamos ser sequestrados, ou que iríamos para a casa de um amigo encher a cara ou usar drogas ou ir pra cama, indiscriminadamente ou não. 

Também não havia celular ou internet, e TV tinha hora e programa pra ser assistido.

Assim, depois de sair da escola, almoçar e fazer os deveres de casa, era função nossa escolher como íamos passar o resto da tarde, se socados no quarto, jogando bola de gude com os amigos, ou andando à toa, explorando a vizinhança.

Isso nos ensinou muito a respeito de poder tomar decisões sobre o que fazer com nosso tempo e como funcionar socialmente.

Daí que como só tenho um irmão, tanto ele aprendeu a brincar com minhas amigas, quanto eu com os amiguinhos dele.

Ou então desempenhar minhas atividades favoritas de subir ao topo das árvores, e de lá observar o mundo, ou sair andando pra explorar esse mesmo mundo, coisa na qual tenho enorme prazer até hoje.

 Agora, se tivesse nascido 30 anos mais tarde, provavelmente teria gasto boa parte do tempo ou assistindo TV, ou mandando e recebendo textos, ou qualquer outra dessas atividades.

Hoje em dia, pais de classe média se preocupam imensamente com os feitos dos filhos em muitos e diferentes campos.

 Algumas crianças interpretam essa preocupação intrusiva como um indicativo de que suas conquistas (filhos) são necessárias para que os pais possam ser felizes.

A combinação dessa preocupação parental excessiva a respeito da segurança e das realizações da criança, aliada à restrição de seu tempo livre e ao abuso da TV e Internet, que promovem a conformidade a padrões pré-determinados, de certa forma prejudica o desenvolvimento dessa mesma criança e o aprendizado dela a respeito de escolhas, que é, e tem que ser, parte do crescimento.

A oportunidade de se esforçar por fazer um desenho ou aprender um instrumento musical pode ajudar a criança a desenvolver esse sentido de “escolha” pessoal e de gerenciamento da própria vida, que parece estar se dissolvendo.

3- Formas que a mente usa para adquirir, armazenar e comunicar o conhecimento, e restauração desse equilibrio.

As 3 formas são: 

Conhecimento Processual: O contido nas habilidades motoras, de fazer algo, como plantar, colher, construir, caçar e cozinhar, e que  foi o mais importante pelos  primeiros 100.000 anos de nossa existência no planeta, desbancado pela Revolução Industrial. Hoje, qualquer paradinha num hipermercado da vida me qualifica para sobrevivência.

Conhecimento Esquemático: É o constituído por representações perceptivas, isto é, o que aparece quando nossa mente cria uma imagem de uma cena, objeto, melodia.

Conhecimento Semântico ou Conceitual: É o contido nas palavras, é a linguagem.

Então vejamos, os artesãos, com seu Conhecimento Processual, foram os que fizeram a Renascença.

Arte e música requerem conhecimento processual

O Conhecimento Esquemático fez com que Frederich Kekulé, químico alemão, determinasse a estrutura molecular do benzeno através de um sonho, no qual imaginou os 6 átomos de carbono conectados num anel.

Foi também o que fez com que Einstein baseasse sua teoria da Relatividade numa idéia que lhe ocorreu enquanto imaginava estar cavalgando uma onda de luz.
 E foi o que permitiu a James Watson e Francis Crick derrotar Rosalind Franklin na detecção correta da estrutura do DNA, porque os dois construíram um modelo mecânico da molécula e puderam enxergar as relações espaciais entre os 4 nucleotídeos.

Os esquemas são ferramentas críticas para o artista ou músico, embora todos nós usemos essa forma de representação de alguma maneira.

A Terceira ferramenta, a linguagem, tem dominado a vida nas sociedades desenvolvidas.

 A ciência contemporânea é conceitual, baseada em complexas redes semânticas misturadas com matemática, para explicar conceitos tais como buracos negros, moléculas, genes, mutações e doenças.

Economistas, empresários e cientistas sociais lidam principalmente com o conhecimento descrito em palavras, não com ações ou esquemas.

Consultar Santo Google ou a Wikipédia, vai nos dar conhecimento semântico, não processual ou esquemático.

(Google está perdoado com a introdução de Google Earth) 

Por outro lado, assistir filmes de diretores estrangeiros vai nos fazer entender a cultura daquele país de forma que livro nenhum é capaz de fazer.

Alugue um filme do Fellini, de preferência E LA NAVE VÁ, e você vai entender a cultura italiana muito melhor do que lendo a Divina Comédia toda inteirinha.

A grande dependência das redes semânticas é extremamente infeliz, pois  as palavras, principalmente as inglesas, e infelizmente o mundo todo está se anglicizando, não especificam o fenômeno, nem as diferentes partes de um conceito, e assim, diferentes eventos acabam por ganhar o mesmo nome.

A palavra “pássaro” é um bom exemplo.

Patos, gaviões, perus, sabiás e pinguins são membros muito diferentes de um mesmo conceito semântico.

Um epidemiologista que fez entrevistas telefônicas com
5000 pessoas, a fim de aprender sobre depressão, têm 

 uma compreensão muito 
menor da coisa do que o
psiquiatra  que passou 30 
anos vendo e ouvindo 
pacientes
deprimidos descrevendo seus
 sintomas em um sussurro,
largados nas poltronas, faces
 pálidas, roupas em
 desalinho.

Nosso respeito pelo 
conhecimento esquemático e
processual manifesta-se no
fato de que nos dispomos a
pagar mais para ver um
especialista quando estamos
doentes, porque acreditamos que este detém exatamente
esse tipo de conhecimento que o novato ainda não
desenvolveu.

Arte e música requerem, por parte da criança, o uso tanto
do conhecimento esquemático quanto do processual,
ampliando portanto a compreensão que a criança
tem de si e do mundo.

É simples, não dá pra aprender a jogar tênis lendo um livro.

Isso me lembra Eliza Doolitle, no musical My Fair Lady,
quando canta enfurecida:


(Palavras, palavras, palavras, estou tão cansada de
 palavras… Se você me ama, mostre-me, agora.)

4- Oferecer valores consistentes.

A maioria dos jovens de gerações anteriores  acreditavam em alguns valores que deveriam ser honrados sob quaisquer circunstâncias.

Quando era pré-adolescente, tinha a mais absoluta certeza de que trabalho duro e perseverança eram tudo o que necessitava para vencer na vida, tirando o fato que a frase “vencer na vida” não tinha ainda sido cunhada, e as pessoas simplesmente viviam, bem ou mal.

A famosa frase do Gerson no comercial do cigarro, aquela do tirar vantagem em tudo, demoraria ainda alguns anos.

Muitos dos jovens de hoje tem pouca ou nenhuma ligação com idéias de ética, e este vazio é lamentável, pois nossa psique exige que alguns atos ou pessoas sejam bons ou maus num sentido absoluto.

 Jovens inseguros estarão sempre à busca de heróis ou heroínas  que possam representar alguns dos ideais pelos quais eles estão dispostos a se esforçar.

 Quando o ideal é representado pela busca incessante de prazer já, as consequências são as que temos vivido. 

Violência, drogas, aumento de religiões e/ ou seitas cada vez mais restritivas, formação de gangues e quadrilhas (e não falo aqui da festa de São João).

5- Trabalho Cooperativo

Fazer com que as crianças trabalhem de forma cooperativa desenvolve o sentido de lealdade, que vem sendo corroído de forma constante nos últimos 40 anos, deixando cada um de nós com a sensação que, a fim e a cabo, é cada um por si.

 E se não me crêem, lembrem-se de todos os nomes lindos que o povo de RH achou, tal como “reestruturação interna”, reengenharia “e mais um monte que não lembro agora, os quais para os empregados só  significaram uma coisa: alguém vai perder o emprego.

 Lembrem-se de todos os escândalos de bancos versus clientes, lembrem-se de coisas recentíssimas, como o escândalo de Wall Street em 2010 e o resto do mundo ainda sofrendo as consequências, Bernard Madoff e outros tantos em tantos lugares.

É obvio que essa perda de balanço entre a preocupação com o “eu” e com o outro não pode ser saudável.

Mas, quando as crianças completam um mural ou tocam numa banda, é o grupo, e não o indivíduo, que ganha elogios.

Os problemas do mundo contemporâneo exigem alguma subversão do interesse próprio em prol dos interesses da comunidade, e talvez a participação na banda seja uma preparação extremamente útil para as posturas a serem tomadas neste século.

6-Arte e música oferecem oportunidades às crianças de experienciar e expressar emoções e conflitos dos quais ainda não estão plenamente conscientes e, portanto, não podem ser expressados coerentemente em palavras.

Uma criança que tem medo de um bully, ou raiva de um pai alcoólatra, ou inveja uma irmã mais velha toda atraente, e não consegue expressar esses sentimentos em palavras, pode fazê-lo pela arte.

Um psicólogo no Texas fez um experimento interessantíssimo com um grupo de estudantes de psicologia: dividiu a classe em dois grupos, um, o grupo controle, não fez nada,  e ao outro grupo foi pedido que durante 30 dias, escrevessem, sobre qualquer tema que quisessem ou tivessem vontade, e depois jogassem o escrito no lixo.

 O grupo que escreveu sobre suas preocupações, raivas e problemas em geral teve muito menos resfriados e dores durante todo o período.

A conclusão é que, quanto mais nos voltamos para o computador, matemática e lógica, mais nos afastamos dos valores do que significa ser humano, da importância do nos conhecermos e ao mundo onde vivemos.

 Esse conhecimento empírico que só pode ser evidenciado pela apreciação de nossos mais inatos instintos pois, como bem disse Dante … “fatti non foste a viver come bruti,
ma per seguir virtute e canoscenza”… 
(Divina Comédia- Inferno- canto XXVI- Ulisses –“Vocês não foram feitos para viver como brutos, mas para conquistar virtude e conhecimento” - perdão tradução minha, livre como o vento).



Está aberta a discussão


Comentários

  1. Em primeiro lugar, gostaria de parabenizá-la pela mudança no “jeitão do blog”. O tema e sua abordagem me pareceram mais pertinentes à nossa realidade, apesar de você (me permita chamá-la assim, doutora), ainda se valer de exemplos americanos para exemplificar suas ideias. Aliás, os exemplos que dá sobre sua própria experiência são muito bons e deixam o texto mais interessante de ser lido.

    Sou arteterapeuta e quero reafirmar a importância do uso da arte na estruturação da psique da criança. A arte nos leva a caminhar pela estrada da criatividade e da linguagem simbólica, expressões da própria alma humana. Pelo contato com a arte e seus múltiplos recursos expressivos, a criança ativa sua energia psíquica e física, o que traz saúde e desenvolvimento, em todos os sentidos, permitindo, inclusive ampliar a sua capacidade cognitiva para um melhor aprendizado das outras matérias curriculares. Parabéns pelo tema, muito rico.

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    1. Fico contente que tenha gostado.Sigo de perto tudo a respeito de neuroeducação, pois acredito que é o caminho para prevenção de muitas e muitas coisas. Também prefiro prevenção a qualquer tratamento.

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  2. O mundo de hoje prima pela competição e concorrência. Há que se ter bastante cuidado para não se buscar o belo estético nas produções artísticas infantis, e sim a expressão íntegra da realidade interna tal qual as crianças enxergam a si e ao mundo - isso é o belo! Há pais que exigem perfeição nas produções dos filhos, transformando o lúdico em mais um fardo de obrigações e aprisionamento, e não em liberdade.

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    1. Muito bem colocado. A idéia toda é simplesmente o brincar, e em brincar, aprender, como já bem disse Winiccott

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