A ADORAÇÃO A FALSOS ÍDOLOS. DESTA VEZ É O “BEM ESTAR” (WELLNESS)

Tradução do artigo da Dra. Dr. Jen Gunter (ARTIGO ORIGINAL)

“Carvão, “toxinas” e outros disparates são a espinha dorsal do complexo industrial do bem-estar.

Antes de prosseguirmos, gostaria de esclarecer uma coisa: o bem-estar não é o mesmo que medicina.

Medicina é a ciência que se oucupa em reduzir morte e doenças, além de procurar proporcionar vidas longas e saudáveis.
Bem-estar costumava significar uma mistura de saúde e felicidade. Algo que nos faz sentir bem ou alegre, e não algo prejudicial, coisas assim como uma massagem ou uma caminhada na praia.

Mas a coisa mudou muito, e agora “bem estar”tornou um falso antídoto para o moderno medo da vida e da morte.
A indústria do bem-estar adota a terminologia médica, como “inflamação” ou “radicais livres”, e a leva ao ponto de incompreensão. O produto resultante é um remédio tipo “faça você mesmo”para a longevidade, e que vem com uma dose de fé tão absoluta, que a ciência só pode aspirar a alcançar.

Vamos usar como exemplo a tendência de adicionar uma pitada de carvão ativado à comida ou bebida. Embora a cor preta seja surpreendentemente inesperada e sedutora ( tipo o “pequeno vestido preto”que serve para todas as ocasiões), o pretinho é vendido como suposta "desintoxicação".
Adivinha só? Tem a mesma eficácia que um feitiço de sua bruxa local.

Talvez seja uma questão de estética. Poções de bem-estar em belos frascos com ingredientes não testados e de pureza desconhecida, são praticamente embalados para fotos no Instagram.

Também quero esclarecer o que realmente são toxinas: substâncias nocivas produzidas por algumas plantas, animais e bactérias (e, para elas, carvão não é cura).

"Toxinas", como definido pelos mascates dessas curas duvidosas, são os eflúvios nocivos da vida moderna que supostamente vagam pelos nossos corpos, causando inchaço na barriga e nevoeiro cerebral, como um microscópico Emmanuel Goldstein de "1984" de George Orwell.
Sem estas toxinas, não pode haver busca de pureza: tampões “limpos”, comida “limpa”, maquiagem “limpa”. Há também atos sagrados e rituais a serem seguidos, e se você tiver desbloqueado o nível correto de realização, liberará sua deusa interior.

Medicina e religião há muito tempo estão profundamente interligadas, e é relativamente recente sua separação. O complexo industrial de bem-estar busca ressuscitar essa conexão. É como um retrocesso médico, como se os dias tranquilos de saúde fossem cinco mil anos atrás. Antigos rituais de limpeza com um toque moderno: suplementos, produtos inúteis e testes sem qualquer suporte cientifico.

Os suplementos alimentares, que constituem a espinha dorsal do bem-estar, representam um negócio de US $ 30 bilhões por ano, apesar dos estudos mostrarem que não têm valor algum para a longevidade (apenas algumas vitaminas provaram benefícios médicos, como o ácido fólico antes e durante a gravidez e vitamina D para idosos que estão a risco de quedas). A medicina moderna quer que você obtenha seus micronutrientes de sua dieta, que é indiscutivelmente a fonte mais natural possivel.

No entanto, o complexo industrial de bem-estar conseguiu perverter essa narrativa e tornar os suplementos uma ferramenta necessária para práticas absurdas, como impulsionar o sistema imunológico ou combater a guerra contra a inflamação.
A urina amarela fluorescente resultante dos multivitamínicos pode fornecer uma falsa sensação de eficácia, mas é ouro de tolo (e a consequência do excesso de B2 que não é absorvido).

Então, qual é o dano, além de jogar dinheiro fora, em carvão para toxinas inexistentes ou vitaminas para ter urina amarelo atômico ou lençóis caros de algodão granulado (seja lá o que isso for), para melhor conexão aos elétrons da Terra?

Veja o que: o efeito placebo ou "tentar algo natural" pode levar as pessoas com doenças graves, a adiar cuidados médicos eficazes. Todos os médicos que conheço têm mais de uma história sobre um paciente que morreu porque eles tentaram alcalinizar seu sangue ou apostaram em vitaminas intravenosas.para tratar cancer. Estão surgindo mais e mais dados de pacientes com câncer que optam por práticas médicas alternativas, muitas delas promovidas por empresas que vendem produtos de valor questionável, têm maior probabilidade de morrer.

A venda contínua do tipo de produto que move as rodas do complexo industrial de bem-estar, exige um fluxo constante de medo e desinformação. Olhe atentamente para a maioria dos sites de bem-estar e seus parceiros médicos, e verá que, na maioria deles, desfila uma infinidade de teorias de conspiração médica: vacinas e autismo, os perigos da fluoretação da água, sutiã e câncer de mama, celulares e câncer no cérebro, envenenamento por metais pesados, AIDS como construção da Big Pharma,só para citar alguns.

A maioria das pessoas pensa que é imune a essas idéias marginais, mas a ciência diz o contrário. Todos nós confundimos repetição com precisão, um fenômeno chamado de efeito de verdade ilusório, e o conhecimento sobre o assunto não necessariamente o protege. Mesmo uma única exposição a informações que pareçam ser quase plausíveis pode aumentar a percepção de precisão.

A crença em teorias conspiratórias médicas, como a idéia de que a indústria farmacêutica está suprimindo curas “naturais”, aumenta a probabilidade de que uma pessoa tome suplementos dietéticos. Então, para continuar vendendo suplementos, tapetes de aterramento, kits de enema de café e outras mercadorias geradoras de receita, eles não podem simplesmente desencadear o medo, há que constantemente atiçar suas chamas.

Não pode haver indústria de bem-estar moderna sem teorias conspiratórias médicas.

Mesmo que você evite completamente esses sites por causa da fraude, as pessoas que passam a acreditar nessa desinformação podem afetar a saúde pública, tanto por não vacinarem suas crianças e a elas mesmas, quanto por votar contra as políticas de saúde baseadas em evidências.

Além disso, como médica, levo isso a sério quando ouço sobre o último surto de sarampo ou quando um amigo gasta dinheiro em uma terapia que possivelmente não pode ajudar. Quando os pacientes pedem um teste sem suporte científico, como quelação de urina ou níveis de hormônio salivar, geralmente promovidos em sites de bem-estar , tenho que explicar que não posso, de boa fé, solicitar um teste inútil. E também não quero que as pessoas morram.

Então, por que as pessoas se voltam para o bem-estar?

Existem sintomas que acredito estarem conosco desde o início dos tempos, tão comuns que provavelmente fazem parte da experiência humana: fadiga, inchaço, baixa libido, dor episódica, perda de vigor. Quando a medicina só pode oferecer uma terapia, não uma cura, ou quando os médicos dão respostas indesejáveis, sugerindo atenção para a higiene do sono, por exemplo, não é difícil ver como a inebriante confiança e o teatro de bem-estar se tornam muito mais sedutores.

A doença médica também é assustadora. Quem não gostaria de tomar vitaminas IV em vez de passar por quimioterapia?

Admito que os médicos podem aprender algo com essa coisa de bem-estar. É claro que algumas pessoas estão procurando curandeiros, por isso precisamos encontrar maneiras, medicamente éticas, de atender a essas necessidades.

Nós, médicos, podemos fazer mais para fornecer informações factuais sobre substâncias perigosas, como substâncias cancerígenas e desreguladoras endócrinas, em produtos e no meio ambiente de locais medicamente controlados, sem produtos para vender, como o Instituto Nacional do Câncer e a Sociedade Nacional de Endocrinologia.

Muitas pessoas, especialmente mulheres, há muito são marginalizadas e negligenciadas pela medicina (tanto que só recentemente se descobriu que mulheres morrem mais do que homens devido a ataques cardíacos, tanto por serem os sintomas diferentes, quanto por elas mesmas não procurarem ajuda medica, ou pelos seus sintomas serem negligenciados pelos medicos que as atendem), mas a resposta não está nas teorias predatórias da conspiração, na falsa religião ou na magia cara.

Em sua forma atual, o bem-estar não está preenchendo as lacunas deixadas pela medicina. Está explorando-as.”

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