BRASIL: A OPORTUNIDADE INESPERADA QUE A ZIKA APRESENTA

Traduzido ao pé da letra da revista médica Lancet. VEJA LINK AQUI

O Brasil está (compreensivelmente) chateado. Na reunião do Conselho Executivo da OMS, no mês passado, um oficial de Genebra me disse que a delegação do país estava se recusando a apoiar resoluções que poderiam ter suportado porque o Ministério das Relações Exteriores brasileiro se opõe aos rankings do país pelo Banco Mundial.

O Brasil é classificado pelo Banco Mundial como um país de renda média superior, juntamente com os seus vizinhos próximos (Colômbia, Equador, Paraguai e Peru). Infelizmente para o Banco (e para a OMS), o Brasil não se vê como uma nação de renda média. Ele tem aspirações mais elevadas. Para piorar o insulto, em 2015 o Banco promoveu rivais do Brasil, (Argentina e Venezuela), para o status de alta renda. Um país de alta renda é definido por um rendimento nacional bruto por pessoa igual ou superior a US $ 12 736. Brasil está um pouco abaixo, em $ 11 530 (2014).

O Brasil tem sido sensível ao julgamento dos outros. Quando a OMS publicou o seu Relatório Mundial de Saúde em 2000, o governo e as lideranças de saúde do país se sentiram feridas e indignadas. A OMS classificou o Brasil em 125 lugar dos 191 países (Venezuela foi colocada em 54 e Argentina 75).

O Brasil pode,certamente, orgulhar-se de seu progresso para uma saúde melhor.

Mas, em sua história de doenças infecciosas, a coisa é complicada. Em seu livro “Epidemias Laid Low” (2006), Patrice Bourdelais argumenta que um país de alta renda é aquele que conseguiu conquistar as epidemias,razão pela qual a historia do Brasil nessa área, não é apenas uma tragédia nacional, mas também uma humilhação internacional.

A presidente Dilma Rousseff emitiu declarações de resistência e desafiao. Mas a Zika chega em um momento perigoso para o Brasil. A economia do país está encolhendo, enquanto o desemprego e a inflação estão subindo. Essas pressões têm ameaçado um sistema de saúde já frágil.

Escrevendo na revista The Lancet em 2011, Mauricio Barreto e seus colegas identificaram dengue como um dos principais "fracassos" na saúde pública brasileira. O principal vetor da dengue, Aedes aegypti, é também o vetor para Zika. Os esforços para controlar a dengue falharam no Brasil, o que significa que a probabilidade de controlar Zika rapidamente, é baixa.

Mas, com uma liderança atuante, o Brasil pode transformar esta epidemia em uma força. Em momentos de epidemia,de perigo, centra-se naturalmente sobre a ação das nações para controlar o surto. Quais são consequências de uma epidemia em uma nação? Epidemias alteram governos. Os líderes políticos não poderiam ter nenhum sinal mais claro de que é sua responsabilidade o proteger a saúde das suas populações (governos, não médicos, são quem derrotam as epidemias). Esses líderes entendem que a estabilidade política, econômica e social do seu país depende da saúde.

Esta realização tem consequências.Leis são promulgadas para proteger a saúde. Novos investimentos são feitos em ciência médica (progresso político depende do progresso científico). Novas instituições são criadas para canalizar os melhores pareceres científicos para os decisores. Saúde universal gratuita e de alta qualidade torna-se uma prioridade pública. E os líderes entendem que proteger e manter a confiança do público é essencial para a ordem pública.

Epidemias alteram a relação entre médicos e estado. O número, renda, status e poder dos médicos (e suas instituições) são reforçados. Médicos aumentam e melhoram suas demandas e procuram (e geralmente conseguem), maiores contribuições para as políticas de saúde.

Epidemias mudam a concepção pública da doença, a qual não é mais vista como apenas patologia do corpo. Elas também tornam-se patologias do ambiente. Saúde não é mais uma qualidade dentro do controle puramente individual. É algo que depende da organização da sociedade. Epidemias remodelam o conhecimento. Dados confiáveis assumem importância política suprema. Os políticos exigem o acesso imediato a esses dados. A pesquisa torna-se uma ferramenta vital para melhorar o juízo político. Novas áreas de conhecimento são criadas. A comunicação rápida e transparente das novas descobertas se torna uma necessidade.

Epidemias mudam o público. As expectativas do público aumentam. Pessoas passam a apreciar as ações de um governo forte, mas tornam-se cautelosas se percebem poder coercitivo do Estado. O público é menos tolerante com aqueles que abrigam a doença (ou o risco de doença). O estigma floresce. A Saúde torna-se uma obsessão pública. Pessoas e governos começam a levar a saúde mais a sério. Curandeiros e charlatães prosperam.

Epidemias mudam sociedades. A doença epidemica precipita uma crise política. Sociedade são reestruturadas e reformadas. A ideia de progresso é redefinida (reversões são possíveis). Um consenso se constrói em torno do direito à saúde.

Em suma, as epidemias podem acelerar, bem como destruir o desenvolvimento humano.

A Zika será apenas um momento na longa luta para avançar a saúde dessas nações atualmente afetadas. Mas esse momento é uma oportunidade que não deve ser perdida.

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