DEPENDÊNCIAS, DEFINIÇÕES E TRATAMENTOS

O problema com as dependências, já começa com sua definição, porque há varias, a grande maioria delas dependendo muito mais de crenças pessoais e coletivas sobre o assunto do que seguindo método cientifico. Vejamos:
O Dicionário Oxford, mostra a primeira variação da palavra "vício", aparecendo em 1500. O termo vem do “latim addictus” , que, em Roma significava ser obrigado por um juiz,a se tornar um servo ou escravo, geralmente por causa de dívidas. Era apenas um adjetivo.
Depois, virou verbo, e o “se viciar”passou a significar o "ligar-se ou apegar-se” a uma pessoa, partido, ou causa, como um servo, aderente, ou discípulo, voluntáriamente.
Foi só lá para 1700 que o têrmo “dependência passou a se tornar específico para substâncias. E, no século 20, o têrmo foi restrito para uso de narcóticos, específicamente a heroína. Agora, o têrmo está mais espalhado do que nunca, saindo do domínio das substâncias assim chamadas “adictivas”ou que, de per si causam dependências, quase que sem nenhuma interferência do sujeito que a (s) usa, abrangendo coisas como internet, sexo, jogo, chocolate, doces, pornografia, auto-dependência (narcisismo), e mais outras tantas. E quanto mais “dependências” aparecem, mais “tratamentos” idem.

Com tantos significados e diferentes interpretações, tem sido enorme desafio determinar exatamente o que isso vem a ser, ou nas palavras de Peele: “A que, exatamente se referem os termos adição e dependência? São doenças do cérebro? Padrões comportamentais? Ou serão padrões vivenciais?” e sumariza brilhantemente tudo o que foi escrito sobre o assunto, dizendo:
“Adição/Dependência é a busca por satisfação emocional, por um sentido de segurança, uma sensação de ser amado, de ter algum controle sobre a vida. Mas, a gratificação é ilusória e temporária, e, ao invés de conseguir o desejado, tal comportamento resulta em maior auto aversão, segurança psicológica diminuída, e menor capacidade de enfrentamento. É isso é o que todos os vícios têm em comum."

Não seria maravilhoso se pudéssemos, como prevenção, ensinar às nossas crianças essa simples ideia?
Adição é só uma forma incompetente de tentar lidar com a vida.

Não seria muito mais fácil, barato e eficaz, ensinar às nossas crianças os conceitos de resiliência, respeito por si, pelos outros e pelo lugar onde se vive, do que encher o mundo de pavor a respeito de substâncias, e o que elas lhe fazem, o que, a fim e a cabo é uma falácia porque a escolha do uso disso daquilo ou daquilo outro, é sempre individual?
É óbvio que, depois de certo tempo de uso, de qualquer substância que cause alterações químicas no organismo, de aspirina a heroína, vai modificar o mesmo, e a coisa pode realmente virar “doença”. Nenhuma dúvida a respeito. Só não começa como uma, embora indivíduos com problemas mentais de esquizofrenia a ansiedade crônica, tendam a fazer mais uso de substâncias do que a população em geral.

Mas, uma vez que a doença foi instalada, o que fazer? Qual é o melhor programa de tratamento?

Primeiro, não existe um “melhor programa “universal, que sirva a todo mundo. O que funciona é quando há a melhor conjunção entre as características de uma determinada pessoa, num determinado ponto de sua vida, com suas características sociais e culturais, e as características do tratamento, naquele momento. O que pode ser a melhor escolha para uma pessoa, pode ser um horror para outra, e o que pode parecer muito bom hoje, pode não ser tão bom assim daqui a algum tempo, posto que as necessidades do indivíduo e da família, e as capacidades da organização evoluem de forma dinâmica.

De qualquer maneira, os melhores tratamentos tem algumas características em comum:
Acessibilidade, estabilidade organizacional e força de trabalho individualizada. A filosofia de trabalho é baseada em evidências. O tratamento é estendido à participação da família. Os serviços têm como objetivo não só a recuperação mas também a reinserção social. Há o apoio da comunidade para a Instituição de tratamento e para o indivíduo sendo tratado.

Tenho certo pavor de qualquer programa que clama ter “A SOLUÇÃO”, pois me parece que esse tipo de arrogância clínica e/ou institucional está mais associado a exploração fraudulenta e danos em nome de ajuda do que a recuperação estável e a longo prazo. Também não recomendo programas que continuam a usar confrontação e humilhação como dispositivos terapêuticos, apesar de décadas de pesquisas mostrando sua ineficácia e danos potenciais.
E mais do que concordo com o Stanton Peele (ai que novidade!), quando declara: “Ao reforçar o mito de que o vício é incontrolável e permanente, só fazemos com que fique mais difícil superar o problema. Dizer que a pessoa é impotente perante a adição, é auto destrutivo, pois limita a capacidade individual de mudar e crescer. Não é melhor começar pela crença de que, simplesmente existe a possibilidade de romper com hábitos viciantes e redirecionar a vida? Pode não ser rápido ou fácil de fazer, mas é possível.”

Conheci, trabalhei com, observei centenas de diferentes tipos de tratamentos, em diferentes países e culturas, e segui resultados e/ou total falta deles. Aprendi a importância do seguimento depois da alta, tanto do paciente, quanto da família, para suporte e revisão, seguimento esse inexistente em, pelo menos, 98% dos tratamentos. Observei que, na maioria dos casos, “testemunhos “tem o mesmo valor que evidência, muito parecido com aqueles anúncios de creme para rugas, que tem a foto da velhinha antes e depois, e a única coisa que consigo ver é que na foto “antes”, a criatura está de cara lavada e na foto “depois”, toda maquiadinha.

Aqui vai meu melhor exemplo. Se vocês acharem que estou puxando sardinha só por ser italiano, bom, até que tem alguma verdade na coisa. O fato é que são referência da Comunidade Europeia e ONU. Recomendo as ideias e as ações.

San Patrignano: “É um lar, uma família para os jovens que perderam seu caminho. É uma comunidade de vida que acolhe aqueles aflitos por vícios e marginalização, porque é preciso redescobrir seu caminho através de uma jornada de recuperação, que é acima de tudo um caminho de amor. Gratuito, porque o amor é um dom”.

Nossos Valores:

Educação

O curso do tratamento é essencialmente educacional e de reabilitação. A pessoa não é considerada como sofrendo de uma "doença" e não são, portanto, utilizados medicamentos para o vício. Intervenções psicoterapêuticas/psiquiátricas são implementadas sempre que necessário, para tratar problemas individuais específicos.

Caráter Gratuito

San Patrignano é gratuito para os jovens e suas famílias. A Gratuidade permite que cada indivíduo se sinta criador e estrela de seu próprio caminho. Os produtos e serviços desenvolvidos na comunidade, visam a auto suficiência e representam cerca de 50% das necessidades da comunidade. O restante dos recursos é proveniente de doações, que não são dos familiares dos jovens da comunidade.

Secularismo

Os princípios básicos que sustentam a intervenção terapêutica educacional (respeito pela vida, por si mesmo, para os outros, e para o ambiente) são universalmente reconhecidos pelas diferentes crenças religiosas e sancionado pela Constituição italiana.

Programa Individualizado

O programa de recuperação é personalizado e varia de acordo com as diferentes características e necessidades de cada indivíduo. Assim, não há nenhum passo terapêutico rígido nem temporalmente definido. No entanto, tendo em conta os problemas e a necessidade de uma mudança radical da pessoa, é um programa de recuperação residencial de longo prazo. A duração mínima é de três anos.

A importância do grupo

Quando um/uma jovem entra na comunidade, é colocado em uma das áreas de formação em que San Patrignano é dividido. Aqui, é confiado a outro jovem que se torna seu mentor e que, no primeiro ano da comunidade (tempo varia de indivíduo para indivíduo) segue-o constantemente em seu caminho. Moram no mesmo quarto, com outros. Cada quarto tem seu próprio gerente, bem como cada setor tem um ou mais educadores de referência. Estes são principalmente os grupos com quem o jovem vive todos os dias na comunidade.

As Etapas do Caminho

O crescimento pessoal ocorre através da interação diária com os colegas e os responsáveis pelo setor (educadores). Através desse contato, aparecem as questões críticas e as fragilidades do indivíduo, que por sua vez são analisadas e encaradas. A cada jovem, são gradualmente confiadas mais responsabilidades, tanto na vida em seu setor, quanto nas diferentes atividades que acontecem na comunidade (esportes, artístico, cultural). Com o tempo ele/ela vai se tornar tutor para outra pessoa que necessite de ajuda. Desta forma, os hóspedes da comunidade recuperam, dia após dia, o prazer de ser útil para si e para os outros, experimentando novas formas de gratificação, alternativa e oposta à ilusória oferecida pelas drogas. As regras da vida na comunidade nada mais são do que os de uma convivência civilizada: o respeito a si mesmo, aos outros e ao meio ambiente.

Formação e Estudo

San Patrignano apresenta mais de 50 áreas da vida e de educação, onde os jovens são colocados, de acordo com a disponibilidade das pessoas que possam ajudar o recém-chegado e com base em sua propensão. Aprender uma profissão, permite que cada jovem a cresça, tanto em relação a si mesmo quanto em suas relações interpessoais. É também uma chave de acesso para reintegração plena na sociedade. Paralelamente, é dada a cada um, a oportunidade de retomar os estudos abandonados, em qualquer escola e/ou nível de escolaridade.

Relacionamento com a família

Ao longo do caminho também procura-se reconstruir a relação entre o jovem e sua família. Inicialmente, proporciona-se um distanciamento, com a exceção de correspondência (por carta). À família, é aconselhado seguir caminho paralelo ao do filho/a, participando de qualquer uma das associações ligadas a San Patrignano. Após cerca de um ano (dependendo do jovem) a família pode fazer a primeira visita à comunidade. Depois, as reuniões serão três a quatro por ano. Após os primeiros três anos mais ou menos, o jovem vai voltar pela primeira vez para casa por cerca de dez dias.
SAN PATRIGNANO


STANTON PEELE: Psicólogo e advogado que modificou como se pensa as dependências. Foi pioneiro, entre outras coisas, da ideia de que o vício ocorre na decorr6encia de uma série de experiências, no reconhecimento de recuperação natural do vício, e na abordagem de redução de danos.

E pronto, acabou a trilogia.

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