NÓS E NOSSAS EMOÇÕES: NEUROCIÊNCIA AFETIVA

"Cometemos erros não porque é tão difícil ver a verdade... nós os cometemos porque a via mais fácil e confortável de procurar esclarecimento é quando este concorda com nossas emoções, principalmente as egoísticas" Aleksandr Solzhenitsyn.

Aqui vai a terceira e última parte da promessa baiana. Óbvio está que não será a última vez que escreverei sobre esses assuntos, pelas razões que se seguem, não necessariamente nesta ordem: a) Adoro isso; b) Tem tanta pesquisa acontecendo que, de repente o que escrevo hoje, pode ser besteira amanhã; c) O assunto é tão vasto, que qualquer resumo acaba sendo muito pobre e, portanto, necessita ser enriquecido.

Por centenas de anos o estudo das emoções não foi considerado "ciência". Era a área dos poetas, escritores, pintores, enfim "artistas" em geral. Umberto Eco, no fantástico livro "O Nome da Rosa", desenvolve um drama épico sobre a discussão se Jesus teria rido. Apesar de todo o descaso, as emoções humanas sempre foram usadas e abusadas por todos os líderes, em qualquer campo.

Ditadores sempre usaram o medo como forma de controle, a Igreja Católica elevou a coisa à arte durante a Inquisição, e, no presente momento, pregadores evangélicos usam uma mistura de medo do futuro e desejo por melhora no presente de maneira brilhante. Pode não ser ética, mas é brilhante. Publicitários as usam para criar novas necessidades que absolutamente não são necessidades, e, em minha opinião, Steve Jobs foi o melhor deles, ao declarar: “Na maioria das vezes, as pessoas não sabem o que querem até que se mostre a elas". Notem a simbologia da maçã mordida, a mistura do pecado da desobediência e a procura do conhecimento, o feminino delicado e rebelde, curioso e atirado, mudando o mundo como ele mesmo o mudou, chamando todos os produtos de I (Eu) qualquer coisa. Eu telefono (iphone), iPad (eu absorvo) etc.. e etc...

E se ainda não me acreditam, deem uma lida no "Mein Kampf" (Minha Luta) do malfadado Hitler, onde ele especifica: "Faça com que a mentira seja grande, simplifique-a, continue repetindo-a, e logo todos acreditarão", ou esta outra pérola: "Pelo uso hábil e constante da propaganda, pode-se fazer com que um povo veja o céu como inferno ou uma vida extremamente miserável como o paraíso". Assustador, né?

E tudo isso acaba sendo obra e consequência de nosso cérebro.

Neurociência Afetiva é o estudo dos mecanismos neurais da emoção, combinando neurociência com o estudo psicológico da personalidade, emoções e humor.

Emoções relacionam-se com a atividade naquelas áreas cerebrais que direcionam nossa atenção, motivam nosso comportamento e determinam o significado do que ocorre ao nosso redor.

Agora, o que vem a ser uma emoção? Embora a grande maioria de nós saiba perfeitamente bem quando está sentindo uma, continua sendo a coisa mais difícil de definir, sendo que, na literatura científica, há mais ou menos 90 definições da mesma. Então, por questões de praticidade, vamos usar a mais simples, que é:

“Uma resposta de um organismo inteiro, envolvendo (1) excitação física, (2) os comportamentos expressivos, e (3) a experiência consciente”.

Isso explica porque, embora o cérebro faça a maioria do trabalho, ele não sente, sendo a sensação uma função corpórea.

Os trabalhos pioneiros de Paul Broca (1878), James Papez (1937) e Paul D.MacLean (1952) sugeriram que as emoções estão relacionadas a um grupo de estruturas no meio do cérebro, chamadas de Sistema Límbico, embora hoje se saiba que há muito mais do que essas áreas.

Assim, até o presente momento, posto que tenho certeza que logo, seguindo esse estímulo do Obama para mapeamento cerebral, vamos descobrir muito mais, ou até mesmo apagar o que até agora se sabe e renovar tudo, as estruturas cerebrais relacionadas às emoções são:

AMÍGDALAS: Duas coisinhas bem pequenas localizadas na parte da frente do hipocampo, pertinho dos lobos frontais. O que essas duas bolinhas à toa fazem é detectar e aprender quais partes do mundo que nos cerca são importantes e tem significado emocional. São primordiais para nossa sobrevivência, posto que geram MEDO quando percebem o potencial para uma ameaça, e usam memórias do passado para julgar a já citada ameaça.

TÁLAMO: É a parte que manda sinais sensoriais e motores, principalmente estímulos visuais, para o córtex. Também tem importante função na regulação dos estados de sono e despertar.

HIPOTÁLAMO: Como o próprio nome diz, localiza-se debaixo do Tálamo, e relaciona-se com as respostas emocionais que afetam o humor, o circuito de recompensa, o despertar, a temperatura interna e a regulação da ingesta de comida e água, através da liberação pela hipófise de muitos dos mais importantes neurotransmissores, como a vasopressina, o hormônio antidiurético, a oxitocina e o hormônio liberador de corticotrofina, entre outros. Também é chamado de "relógio biológico", pois regula certas funções corporais, tipo fome, ciclo menstrual e temperatura corporal como já dito acima. Assim, seguindo a linha do politicamente correto, daqui para frente não sou mais gorda, apenas uma desregulada hipotalâmica.

HIPOCAMPO: Estrutura no meio dos lobos temporais, basicamente relacionada à memória. Forma novas memórias e conecta sentidos diferentes, tais como os visuais, os de som e os do olfato, a memórias prévias. Permite que memórias sejam armazenadas por longo tempo e vai lá buscá-las quando necessário. Essa busca, faz junto com a amígdala, para avaliar o estímulo afetivo atual. Simples: se você já pisou numa cobra, como fiz muito tempo atrás, a visão, mesmo que só num filme, ou a simples palavra "cobra", me desperta horror puro, trabalho de meu caro hipocampo e amígdalas, que não me permitem esquecer, pois esse medo está relacionado à sobrevivência.

FÓRNIX: Principal via de saída do Hipocampo para os Corpos Mamilares. Parece ser o ponto principal no controle das funções de memória espacial, memória episódica e suas funções executivas. Com certeza tenho alguma lesãozinha nessa região, já que consegui me perder num hospital no qual trabalhei por 20 anos.

CORPOS MAMILARES: Importantes para Memória Rememorativa. (Só para clarificar, há vários tipos de Memória, o que será item específico de próximo blog). Essa memória é a última a ser perdida em demências, tipo Alzheimer, exatamente porque a perda se dá da frente para trás, e os corpos mamilares estão situados no fundinho do cérebro.

BULBOS OLFATIVOS: É o primeiro par dos Nervos Cranianos, localizado no lado ventral dos lobos frontais, e são os que fazem que nós percebamos e entendamos não só os cheiros, como a memória dos mesmos. A memória olfativa é a mais antiga do nosso sistema, e é por isso que se gasta tanto dinheiro na pesquisa de perfumes. Também é o que me faz lembrar de momentos muito felizes todas as vezes que sinto cheiro de canela, que me reporta a sábados de minha infância, quando minha mãe fazia uns bolinhos enrolados de canela, enchendo toda a casa com o aroma.

GIRO CINGULADO: Esta estrutura, localizada logo acima do corpo caloso, é um fenômeno, pois suas partes têm diferentes funções, cada uma mais complicada que a outra, tais como regulação de afetos, controle vísceromotor, seleção de respostas, controle motor esquelético, processamento visoespacial e acesso à memória. Não bastasse, sua parte anterior (córtex cingulado anterior) é importantíssimo para a atenção e tarefas cognitivas comportalmentalmente complexas. Parece também ser muito importante em relação à consciência, e principalmente à consciência emocional subjetiva, assim como na iniciação da motivação para comportamento. Explica o porquê, embora já se tenham usado 3 florestas amazônicas de madeira para escrever livros a respeito de motivação, esta não funciona de fora para dentro.

Outras estruturas relacionadas à emoção são:

GÂNGLIOS DA BASE: Grupo de núcleos localizados de cada lado do Tálamo. Relacionados à MOTIVAÇÃO.

CÓRTEX ORBITO FRONTAL: Estrutura relacionada com a tomada de decisões e a influência das emoções na decisão tomada.

CÓRTEX PRÉ FRONTAL: É a parte mais anterior do cérebro, atrás da testa e em cima dos olhos. Fantástica estrutura que regula as emoções e o comportamento, por antecipar as consequências de nossas ações, assim como em regular nossa capacidade de retardar a gratificação, por manter as emoções lá guardadas por longos períodos de tempo e por organizar nosso comportamento na direção de metas específicas. Como já vimos no blog anterior, essa parte do cérebro só fica totalmente funcional lá pelos 21 anos, e é por isso que os adolescentes têm costumeiro comportamento impulsivo e os pais precisam funcionar como o córtex pré frontal dos mesmos, para regular já citado comportamento. Também a maior parte dos estudos em psicopatia, síndrome caracterizada por falta de empatia e de remorso, atividades criminosas, comportamento antissocial, egocentrismo, charme superficial, manipulação dos sentimentos de outros, irresponsabilidade e impulsividade, tem concordado que deve haver alguma lesão, real ou funcional nessa área.

STRIATUM VENTRAL: Grupo de estruturas subcorticais , sendo que uma delas, o NÚCLEO ACCUMBENS está relacionado na experiência de emoções positivas direcionadas a metas. Pessoas drogadependentes mostram grande aumento de atividade nessa área quando encontram o objeto de sua dependência.

INSULA: O córtex da Insula tem importante função na experiência física da emoção, pois está conectado com outras estruturas cerebrais que regulam as funções autonômicas (frequência cardíaca, respiração, digestão, etc.). Essa região também processa as informações do gosto, portanto importante na emoção de repugnância/nojo.

CEREBELO: Tem importante função na regulação das emoções, e estudos de lesões cerebelares têm demonstrado que uma disfunção do mesmo costuma atenuar a experiência de emoções positivas sem alterar as negativas. Assim, agora os estudos do cerebelo e suas lesões têm trazido à tona hipóteses interessantíssimas a respeito da função evolutiva do mesmo, de forma que parece ser um ponto mediador do medo para melhorar as chances de sobrevivência, além de um regulador na resposta neural para estímulos que sentimos como recompensa, tipo dinheiro, drogas de abuso e orgasmo. Impressionante como o Cerebelo cresceu desde meus tempos de faculdade, quando era uma coisinha à toa, que regulava o equilíbrio, junto com algumas estruturas do ouvido interno.

Em neurologia estuda-se o que são chamadas EMOÇÕES BÁSICAS, a saber, RAIVA – MEDO - ALEGRIA – TRISTEZA - NOJO - SURPRESA. São consideradas básicas pois, como diria Buckovsky, estão na cara e têm a mesma expressão autonômica e muscular em qualquer lugar, qualquer cultura, qualquer língua, e além disso estão relacionadas com sobrevivência e não dependem de constructos sociais.



Vamos ver o que acontece na mais estudada das emoções, o MEDO:

O estímulo (que pode ser qualquer coisa, desde ver uma cobra, aranha ou qualquer bicho peçonhento até imaginar um barulho esquisito às 3 da madrugada, quando se está em casa sozinho - lembrando Freud, o estímulo pode ser real ou imaginário, mas o medo produzido é sempre muito real), atinge a Amigdala, que toca um valente alarme, às vezes até mesmo antes que tenhamos consciência da situação. Fração de segundo depois, o alarme atinge o Córtex sensitivo que vai, ou reforçar o alarme ou mandar a informação de "falso alarme", de volta para a Amigdala. Se for falso alarme, a atacada se acalma. Se reforçado for o alarme, a amigdala dispara a reação básica de "ataque ou fuga", ou seja, o por demais conhecido mecanismo de stress, que faz com que:

Aumente a frequência cardíaca, pois o coração precisa bombear mais sangue para os músculos, já que estes vão ter um enorme trabalho durante a resposta de luta ou fuga. Com mais sangue, os já citados músculos, os esqueléticos (nas costas, braços pernas e pescoço) se expandem, enquanto os músculos viscerais se contraem para proteção dos órgãos internos. Os pelos de braços e pernas se estendem (piloereção, mecanismo que, em nossos ancestrais mais peludos os ajudava a parecerem maiores), e finalmente sudorese, que é uma maneira de "resfriar" os músculos superaquecidos. Não bastasse, as suprarrenais liberam cortisol, que é chamado o hormônio do stress, com consequente aumento de glicose circulante. Em suma, o organismo se prepara para ataque ou defesa. E fico aqui pensado como, nós humanos pós modernos, gênios da tecnologia, conseguimos transformar tão fantástico mecanismo em doença.



Então, cumprida a promessa, espero que o que faltou tenha ficado esclarecido. Próximo blog será essa coisa que escapa quando mais precisamos dela, chamada MOTIVAÇÃO.

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