VIRTUDES
“Um retorno aos princípios numa república, às vezes, é causado pelas virtudes simples de um homem. Seu exemplo tem tal influência, que os homens de bem se esforçam para imitá-lo, e os ímpios têm vergonha de levar uma vida tão contrária a seu exemplo.” Niccolò Machiavelli
O conceito de Virtude para mim, sempre esteve ligado às aulas de catecismo com as freiras, onde naqueles idos tempos, a ideia de virtude para meninas de boa família, basicamente, resumia-se a permanecer virgem até o casamento, ou pelo menos foi como entendi a coisa, dado que passava a maior parte do tempo quieta na cadeira, mas com minha cabeça em grandes viagens muito longe e distantes dos virtuosos ensinamentos, de forma que provavelmente não é culpa delas meu desisteresse. Já a palavra “virtuoso” estava ligada à musica, então conhecia o Paganini no violino, Liszt e Czèrny no piano, os dois últimos furiosamente odiados devido aos exercícios que tinha que repetir diariamente, com a supervisão semanal da professora de piano, sua laranja debaixo das mãos e o raio do lápis com o qual batia nos dedos dos infelizes alunos. Como dá para notar, virtude não foi exatamente algo ao qual aspirei em momento algum, e tão logo me vi livre das aulas de catecismo e das de piano, muitos anos depois, nunca mais pensei no assunto.
Mas, como nessa vida, o que não é aprendido, retorna, eis que lá vou eu voltar a ouvir sobre “virtudes” de novo, desta vez ligadas à psicologia positiva. Aí, prestei atenção.
Por definição, virtude é uma qualidade ou traço positivo, considerado bom, e destarte, valorizado como fundamento dos princípios e da moral na cultura onde se vive.Virtudes pessoais são valorizadas por promoverem grandeza pessoal e coletiva, sendo seu oposto, o vício.
É evidente então que filosofias e religiões estão repletas de conceitos de virtudes, sendo que, em nossa sociedade ocidental, temperança, prudência, coragem e justiça são consideradas as 4 virtudes cardeais, entremeadas, em nossa cultura judaico cristã, que define as virtudes como o amor a Deus, com o seguimento de suas leis, que são resumidas nos 10 Mandamentos.
Os muçulmanos têm como virtudes, entre outras, integridade, generosidade, humildade, bondade, cortesia, pureza, respeito, tolerância, sensatez, dignidade, clemência e compaixão, firmeza, franqueza, esperança, paciência, perseverança, disciplina, moderação, sinceridade, frugalidade, lealdade, honestidade, contrição e espiritualidade.
Na tradição Bahai, temos: Veracidade (fundamento de todas as virtudes humanas), Justiça (a mais amada por Deus), Amor (a base sobre a qual Deus criou os humanos), Humildade (condição para ser o recipiente da graça divina) e Confiabilidade (a vestimenta preferida por Deus).
No Induísmo, temos o altruismo, moderação, honestidade, limpeza (entendida como cuidados pessoais para saúde e higiene), universalidade (tolerância e respeito para tudo e todos), paz e não violência (os praticantes são vegetarianos, pois são proibidos de matar qualquer coisa), reverência (para os mais velhos e professores).
No Budismo, temos a visão, atenção concentrada (para ver as coisas como são), compaixão, altruismo, equidade (aprender a aceitar vitórias e derrotas com o mesmo distanciamento, e também não distinguir entre amigos e inimigos, entendendo cada ser como seu igual).
Já Benjamim Franklin, ao qual não bastou ser inventor e político, também fez uma lista de virtudes. Conta a lenda que ele ia para todo canto carregando um caderninho onde media a cada dia o quanto tinha vivido de suas virtudes, as quais passo resumidinhas: temperança, silêncio, ordem, resolução, frugalidade, diligência (ideia de não perder tempo, cortar fora tudo o que é desnecessário, ação), sinceridade, justiça, moderação, higiene, tranquilidade, castidade, humildade (ele achava que a ideia era imitar Sócrates – não o jogador do corinthians, mas o filósofo - e Jesus).
Como dá para notar, as virtudes são praticamente iguais em todas as visões, filosóficas e/ou religiosas, com algumas exceções interessantes entre as culturas orientais e ocidentais, onde nas orientais, a ideia de virtude é viver em paz com todas as coisas da natureza, enquanto em nossa cultura ocidental, é tambem conquistar essa mesma natureza, o que, provavelmente, é a base de nossas diferenças e de nossas guerras desde sempre.
O que me fascinou no estudo das virtudes dentro da psicologia positiva, foi a colocção das mesmas num contexto multicultural, focalizando nos traços comuns a todas as culturas.
Martin Seligman e Christopher Peterson, em seu livro “Character Strengths and Virtues”, lançaram a primeira tentativa da comunidade científica de identificar e classificar os traços psicológicos positivos dos seres humanos, criando o quadro teórico para o desenvolvimento de aplicações práticas para a psicologia positiva. Assim o CSV (Character Strengths and Virtues – Pontos Fortes do Caráter e Virtudes - tradução minha, pois ainda não há tradução do livro para o português) identifica 6 classes de virtudes, chamadas de “virtudes nucleares ou de base” (core virtues), as quais consistem de 24 “pontos fortes”, que foram definidos comportamentalmente, usando testes psicométricos. Foi também a primeira vez que as virtudes deixaram de ser conceitos e passaram a ser formas de ação ou comportamento.
O livro sugere que essas 6 virtudes são consideradas “boas” pela grande maioria das culturas e durante a história, e mais, que essas características, quando praticadas, acarretam aumento de felicidade, pessoal e coletiva.
A palavra operativa aqui é o verbo PRATICAR. Isso significa aprendizado e ensinamento (ninguém nasce virtuoso ou desvirtuado, mas se aprende, desde o primeiro momento – vide post anterior). Também, depois de aprendido, a prática diária se faz necessária. A neurociência nos mostra que são necessárias apenas 2 semanas para a criação de um novo hábito, mas poucos instantes para retornarmos aos antigos padrões, pelo simples fato que estão mais profundamente gravados em nossa memória operativa (que é aquela coisa que nos faz escovar os dentes após as refeições, por puro hábito, sem qualquer pensamento consciente do quanto é bom para a saúde geral o ter boa saúde bucal).
É também a razão e o porque da indústria da autoajuda. Vamos a um workshop ou lemos um livro, ficamos entusiasmados, mudamos tudo, e 3 dias depois estamos de volta ao que a antiga musa canta. É o porque tantos e tantos tratamentos terapêuticos falham, não por causa de falha intrínseca na teoria aplicada, ou do professional aplicante, mas pelo simples fato explicado por um velho ditado que escutei em Taubaté das sapucaias, tantos e tantos anos atrás: “Todo mundo quer ir para o céu, problema está que ninguém quer morrer antes”.
E mudança, sem exceção, implica na “morte” de algo, para que coisas novas possam surgir. É a base do Cristianismo, e finalmente entendi porque italianos comemoram mais a Páscoa do que o Natal. Porque nascer, todo mundo nasce de um jeito ou de outro, mas é o “renascer” que define o divino.
Então, desde que a meta da psicologia positiva é ajudar indivíduos, organizações e comunidades a identificar seus pontos fortes e usá-los para aumentar e suster seus respectivos níveis de bem estar, vamos ver quais e o que são essas virtudes. Informo que as virtudes, traduzi diretamente do livro. Já os exemplos são puramente por minha conta e risco.
SABEDORIA E CONHECIMENTO
Conhecimento é entendido como o fruto do esforço que é usado para o bem. Sabedoria é uma forma de inteligência nobre, “na presença da qual ninguém se ressente e todos apreciam.” A virtude de sabedoria e conhecimento inclui traços positivos relacionados à aquisição e uso de conhecimento (forças cognitivas) a serviço de uma vida boa. A função cognitiva possui especial relevância nas 5 forças de caráter que compõem a virtude da sabedoria, a saber:
Criatividade - inclui originalidade, inventividade, interesse, procura de novidade e abertura à experiência. É definido como o interesse intrínseco do indivíduo pela experiência e conhecimento em si mesmos. Pode ser específico e que aprofunda o conhecimento em um assunto, bem como global, generalizado e diverso. É entendida como a produção de comportamentos e ideias reconhecidamente originais (novas, surpreendentes, incomuns ou o melhorar de coisas já existentes), que sejam adaptativas e contribuam para melhorar a vida pessoal e/ou de outrém. Os exemplos são muitos, então cito alguns de minha lista de preferências, tais como, Thomas Edson e a lâmpada; Dra. Zilda Arns e sua formula de mistura alimentar para crianças desnutridas (a fórmula não é dela, mas foi ela que espalhou a coisa); os Curie, Maria e Pierre, com o RX; Tim Berners-Lee e o world wide web; Dr. Sacks e a vacina contra poliomielite. Pessoas curiosas perseguem novidade, variedade e desafio em sua experiência no mundo. Têm sede de saber. Acham todos os assuntos e tópicos fascinantes.
Abertura a novas idéias - É definida como a vontade do indivíduo de procurar ativamente por evidência contra suas crenças favoritas, planos ou objetivos e de pesar esta evidência de forma justa. Seu oposto é raciocinar de modo a favorecer e confirmar aquilo em que já se acredita. É ser capaz de mudar de ideia, saber considerar as evidências contrárias ao seu próprio pensamento, bem como examinar a informação de forma racional e objetiva. Inclui pensamento crítico e critério. Aqui me lembro de JK (Juscelino Kubitcheck) que, quando lhe perguntaram se já tinha voltado atrás em alguma decisão, soltou: “Claro que sim, não tenho compromisso com o erro”.
Gosto pelo aprendizado - Descreve a maneira pela qual o indivíduo assimila informações e habilidades novas de forma genérica, e/ou o interesse individual bem desenvolvido com o qual o indivíduo assimila um conteúdo específico. Diz respeito a gostar de aprender sobre uma ou várias coisas, mesmo quando não há incentivos exteriores para isso. Um bom exemplo são senhores e senhoras de idade, que, ao invés de sentar dentro de casa e se lamenter pela juventude perdida, vão aprender dança flamenca, passam a escrever poesia, enfim, vivem sua plenitude sem se deixar barrar por rótulos.(E aqui vai minha homenagem à Mena e Eugênia – quando crescer, quero ser igualzinha a vocês).
Perspectiva - Refere-se ao produto do conhecimento e da experiência, mas que transcende a acumulação de informação. É a coordenação desta informação e seu uso deliberado para aumentar o bem estar. Em um contexto social, permite ao indivíduo ouvir os outros, avaliar o que dizem, e então oferecer bons (sábios) conselhos. Diria que exemplos excelentes são todos os pais e mães e tio e tias e avós e professores que, ao invés de dizer: “No meu tempo….”, “Na sua idade eu já trabalhava…”e outras repetições monolíticas, escuta, avalia e pondera tipo: “Você acha que há um outro jeito de fazer isso?” “O que você poderia fazer para melhorar a situação?”.
CORAGEM
Alguém que não recua diante de ameaças, desafios, dores ou dificuldades. Vai além do heroísmo demonstrado diante da morte iminente por guerreiros no campo de batalha, incluindo posturas intelectuais (bravura moral) ou emocionais (bravura psicológica) que sejam impopulares, difíceis ou perigosas. O indivíduo dotado de valentia consegue superar as reações naturais ao medo (resposta de fuga) enfrentando a situação assustadora. Inclui heroísmo e bravura. Mahamata Gahndi, Madre Tereza, Galileu Galilei, Sir Edmund Percival Hillary, Irena Sendler, Papa João XXIII, Sigmund Freud, Dante Alighieri, Dalai Lama. Inclui a Persistência, que é a continuação de uma ação voluntária em direção a um objetivo, apesar dos obstáculos, dificuldades ou desencorajamento; Integridade, que é o ser verdadeiro consigo mesmo e com os outros; e Vitalidade, que é o aspecto dinâmico do bem estar marcado pela experiência subjetiva de energia e vivacidade.
HUMANIDADE
Todas as virtudes envolvidas na relação com o outro, isto é, o comportamento pró social (qualquer ato ou padrão de comportamento socialmente construtivo, ou que de alguma forma beneficia outra pessoa ou grupo), ou altruístico (colocar a preocupação com os outros acima da preocupação consigo próprio). São atos de generosidade, bondade ou benevolência, consensualmente reconhecidos e valorizados, e que elevam aqueles que os testemunham. Incluem:
Amor - postura cognitiva, comportamental e emocional voltada para o outro, que toma três formas prototípicas: amor pais-filho, amor filho-pais e amor a outro ser humano fora da familia (amor romantico, amizade, vínculos emocionais entre membros de equipes, colegas de trabalho, etc.). Define-se por atos de troca, ajuda, consolo e aceitação. Envolve sentimentos positivos fortes, compromisso e até mesmo sacrifício.
Bondade - ser bom para outras pessoas (fazer favores, praticar boas ações, cuidar dos outros). Bondade e amor altruísta requerem o reconhecimento de uma humanidade comum, na qual o outro é digno de atenção e afirmação por nenhuma razão utilitária, mas por sua própria causa.
Inteligência Pessoal e Social - capacidade de entender e administrar emoções; avaliar acuradamente os próprios sentimentos, emoções, desempenho e motivos; agir sabiamente em relacionamentos; identificar conteúdo emocional nas expressões e gestos dos outros e usar esta informação para facilitar as interações.
Tenho certeza que cada um de nós tem sua própia lista de heróis nessa área, então, só como exercício, pensem neles e porque os colocou nessa galeria.
JUSTIÇA
É a noção compartilhada de que há que existir um padrão para proteger o conhecimento intuitivo do que é justo. Inclui:
Cidadania - responsabilidade socias, lealdade, trabalho em grupo. É o que faz com que não se jogue latas de cerveja no meio da rua, pois isso não só atrapalha os outros, como a nós mesmos e ao ambiente onde vivemos.
Equidade - tratar a todos com respeito e consideração.
Liderança - o conjunto de qualidades cognitivas e temperamentais que faz com que individuos possam orientar, dirigir, inspirar, motivar e sustentar outros na busca de um bem comum.Vou dar um exemplo do que está acontecendo no Brasil no momento, pela minha observação de postagens no facebook, que é o julgamento dos envolvidos no caso do mensalão. Pelo que me parece, a figura do presidente do Supremo Tribunal Federal está encarnando Justiça com Liderança.
TEMPERANÇA
É a capacidade de monitorar e gerir nossas própias emoções, motivações e comportamento, sem ajuda externa. Está ligada ao controle de impulsos indesejáveis, autocontrole e capacidade de fazer o que é certo e evitar o que é errado. Estão também definidas em parte, pelo que uma pessoa se priva de fazer. Contém:
Humildade e Modéstia - Humildade é a certeza de não ser o centro do universo e Modéstia é o comportamento resultante.
Prudência - raciocínio prático e auto gerenciamento que nos ajuda a atingir objetivos de longo prazo de forma efetiva, por meio da ponderação das consequências de nossas ações, realizadas ou não. Pessoas prudentes não sacrificam objetivos de longo prazo por prazeres momentâneos, pois têm em mente o que no final trará maior satisfação. Não confundam com medroso, paralisado, exageradamente cauteloso, tenso ou tímido.
Autocontrole ou Auto regulação - é quando exercemos controle sobre nossas respostas e reações, de formas a atingir os objetivos de viver à altura de padrões morais, de desempenho, ideais, normas, expectativas, e é também quando nos forçamos a fazer algo no momento que adoraríamos fazer o oposto. Acho que um belissimo exemplo é o poema “Se” que Rudyard Kipling escreveu quando do nascimento de seu primeiro filho.
TRANSCENDÊNCIA
É a conexão com algo maior, ou a crença de que há um sentido ou propósito maior do que si mesmo. Está separada de religiosidade e espiritualidade, embora possa contê-las. Pode ser algo ou alguém que inspire esperança, reverência ou gratidão; qualquer coisa que faça com que as preocupações diárias pareçam insignificantes, e o eu, pequeno. É aquilo que nos lembra o quão pequenos somos, mas, ao mesmo tempo, nos eleva. É o que sinto todas as vezes que olho para aquela foto do Hubble, da galáxia chamada “O Olho de Deus”; quando vejo ao meu redor a mudança das estações; quando vi aquele duplo amputado disputar as Olimpiadas; no nascimento de crianças normais, sem nenhum dos zilhões de problemas que sei que poderiam ter ocorrido; quando escuto a Nona Sinfonia do Beethoven ou a Cavalgada das Valquírias do Wagner; quando vejo o David e o Moisés, ou o Barishnikov dançando. Inclui:
Apreciação pela beleza e excelência - reverência, admiração, elevação. É a habilidade de encontrar, reconhecer e ter prazer na existência do bom, tanto no mundo físico (ambiente), quanto no social (talento e virtude nos outros). O que define esta força de caráter é a experiência emocional da reverência, assombro e admiração quando na presença da beleza ou da excelência.
Gratidão - Gratidão deriva da percepção que fomos beneficiados pelas ações de outrém, algo como se tivéssemos recebido um presente.
Esperança - que inclui otimismo, tendência ao futuro, orientação ao futuro. Representa uma postura cognitiva, emocional e motivacional em direção ao futuro. Pensar sobre o futuro, esperar que os eventos e resultados desejados se tornem realidade, agir de forma a torná-los mais prováveis, e sentir-se confiante de que isto irá suceder dados os esforços apropriados.
Bom humor - que é aquela coisa muito mais fácil de reconhecer do que de definir. Inclui jovialidade. É o reconhecimento de que, seja lá o que for, há sempre um lado divertido, é a criação de uma incongruência, uma visão que permite perceber um lado leve, mesmo na adversidade, e a capacidade de fazer outros rirem.
Espiritualidade - inclui religiosidade, fé e propósito.É considerada a mais humana e sublime das forças de caráter, sendo definida como a posse de crenças coerentes a respeito do significado do universo e o seu lugar nele, bem como na crença em um propósito maior. Pessoas com esta força têm uma teoria a respeito do sentido maior da vida que molda suas condutas e os conforta.
Então, meus prezados, ao contrário de minha falta de aprendizado no assunto quando criança, acabo por descobrir o prazer intrínseco das virtudes, e, já que muitas me faltam, está mais do que na hora de começar a desenvolvê-las. O convite para essa viagem de descobrimento é extendido a parentes, amigos e conhecidos.
Per aspera ad astra!
E como sou criatura de contrastes, o próximo post será sobre a cultura narcisista e de vitimização.
Se (Rudyard Kipling)
Se és capaz de manter tua calma, quando
todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses no entanto achar uma desculpa.
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.
Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
tratar da mesma forma a esses dois impostores.
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.
Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida.
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.
De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.
Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!
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