A Cultura do Narcisismo e a Banalização da Vida
"Relações baseadas na glória refletida, na necessidade de admirar e ser admirado, são fugazes e inconsistentes”. Christopher Lasch.
Em janeiro de 1979, foi publicado, pela primeira vez, o livro “The Culture of Narcissism: American Life in an Age of Diminishing Expectations” (A Cultura do Narcisismo: A Vida Americana numa Era de Expectativas Diminuídas), no qual o historiador cultural Christopher Lasch explora as raízes e ramificações da normalização do narcisismo patológico na cultura americana do séc.XX.
Sua tese é que, nos anos 70, os americanos haviam desenvolvido uma forma de narcisismo, a qual fazia com que a maioria das pessoas necessitasse de constante validação externa para se sentirem vivas, resultando numa “interminável busca de crescimento pessoal, que é, ao mesmo tempo, ilusória e cada vez mais infrutífera”.
E, pela primeira vez, um distúrbio psiquiátrico saiu do domínio do pessoal, socializou-se,e,33 anos depois, faz parte da cultura do dia a dia de nossa sociedade ocidental. Se, na época que escreveu, Lasch pareceu uma mistura de amargura de esquerda ultrapassada, temperada com saudosismo hippie, hoje se tornou profeta.
Concordando ou discordando, amando ou detestando, o que vemos todos os dias?
A transformação da política em espetáculo. Preciso explicar?
A busca de fama e fortuna, de qualquer jeito, a qualquer preço. Aqui nos EUA, os reality shows a respeito de absolutamente tudo, e pelo visto, que tal que nem no Brasil. No Oriente Médio, os bombardeios suicidas, que, se nada conseguem aqui, na próxima vida vão ter, e agora me perdi no número de virgens, algo entre 50 e 71, a seu dispor, para todos seus desejos.
A ascensão de assim chamadas “celebridades” momentâneas, ou como bem disse Andy Warhol, os “quinze minutos de fama”. Sobre esse assunto, há um filme, também daquela época, Rede de Intrigas (Network), do Sideny Lumet, onde um apresentador de um programa de noticias na TV é informado que sairá do ar em duas semanas, devido à sua queda no IBOPE. Que faz ele? Anuncia ao vivo e à cores que se suicidará no programa. É despedido, jura que vai pedir desculpas, volta ao programa, e decide berrar que a vida é “bullshit”, o que naturalmente aumenta barbaramente os números do IBOPE, e alegra por demais os donos do canal. Daí prá frente, passa a galvanizar a nação, fazendo com que os ouvintes berrem de suas janelas: “Tô danado da vida e não vou mais suportar isso”. Enquanto isso, a chefe do departamento de notícias (Faye Dunaway, absolutamente fantástica), querendo aumentar ainda mais os números, faz um trato com um grupo de terroristas radicais, e aí o programa passa a ser o mais visto da TV. O âncora e a chefe iniciam um romance, e ele larga sua esposa de 25 anos. Depois de um tempo, ele não aguenta mais a devoção fanática e o vazio emocional da amante, termina com ela com a famosa frase: “Diana, você é a encarnação
da TV, indiferente ao sofrimento, insensível à alegria. Para você, a vida se reduz a um entulho de banalidades”. Vai daí que ele descobre que o canal vai ser vendido a um conglomerado da Arábia Saudita, e começa a berrar contra o negócio, estimulando os ouvintes a mandarem telegramas para a Casa Branca para que esta o impeça. Vira um “radical enlouquecido” contra o sistema, o que desagrada por demais aos ouvintes. Daí, o tal grupo de revolucionários é contratado para matar o âncora ao vivo, o que é feito, conforme o combinado. O filme termina com o narrador dizendo: “Esta foi a história de Howard Beale, o primeiro exemplo de um homem que foi assassinado por ter uma avaliação ruim”.
A mercantilização de quase tudo, quando sabemos o preço de tudo e o valor de nada.
A transformação da educação, desde uma experiência de aprendizado baseada em fatos, numa coisa meio confusa, de adaptação ao momento, isso, na otimista esperança que haja algum tipo de educação.
A maior prova da socialização do distúrbio está no fato que não mais aparecerá no DSM-V ( Manual Estatístico e Diagnóstico das Doenças Mentais, da Associação Americana de Psiquiatria). Se vivemos assim, não é mais problema, pelo menos não é mais problema a ser classificado, é apenas uma perda de nossa humanidade. E foi exatamente essa barbaridade que me levou a escrever este artigo.
E só para lembrar o que era, e porque vivendo assim nos tornamos menos humanos, vamos relembrar.
"Extasiado diante de si mesmo, sem mover-se do lugar... o rosto fixo, absorvido com este espetáculo, ele parece uma estátua de mármore. Deitado no solo, contemplando dois astros, que são os seus próprios olhos, contempla seus cabelos, sua face, seu pescoço de marfim, sua boca encantadora e a brancura de sua pele. Admira tudo aquilo que suscita sua própria admiração. Em sua ingenuidade, deseja a si mesmo. A si mesmo dedica seus próprios louvores. Ele mesmo inspira os ardores que sente. Ele é o elemento do fogo que ele próprio acende. E quantas vezes dirigiu beijos vãos à onda enganadora! Quantas vezes, para segurar seu pescoço ali refletido, inutilmente mergulhou os braços no meio das águas.Não sabe o que esta vendo, mas o que vê extasia-o, e o mesmo erro que lhe engana os olhos, acende-lhe a cobiça. Crédula criança, de que servem estes vãos esforços para possuir uma aparência fugidia? O objeto de teu desejo não existe. O objeto de teu amor, vira-te e o farás desaparecer. Esta sombra que vês, é um reflexo da tua imagem. Não é nada em si mesma; foi contigo que ela apareceu, e persiste, e tua partida a dissipará, se tivesses a coragem de partir."
Metamorfoses (Origem de Narciso), Ovídio (43 A.C.- 18 D.C.) Do artigo: “Drogadependência e Narcisimo, Streparava,P CLIQUE AQUI
Como bem disse Freud, que nunca esteve em nenhum lugar onde um poeta já não tenha estado antes e descrito muito melhor, faço minhas suas palavras, pois nunca li melhor descrição de Narcisismo do que a acima, de Ovídio, onde fica absolutamente claro que narcisismo é pura e simplesmente uma paixão por uma imagem. Algo refletido, totalmente inexistente.
Segundo Hotchkiss, são 7 os pecados dos narcisistas:
Descaramento, pois, sendo vergonha o que se esconde debaixo do comportamento narcisista, e como este é incapaz de lidar com ela de forma saudável, faz o oposto.
Pensamento Mágico: Eles se vêm perfeitos, usando os mecanismos de defesa de distorção e ilusão, e também projeção para jogar culpa e vergonha nos outros.
Arrogância: Quando o narcisista se sente meio desinflado, feito balão de festa de criança ao término da mesma, a forma que tem para se reinflar é rebaixando ou degradando alguém mais.
Inveja: Para garantir sua superioridade, sempre que esteja lidando com outra pessoa que tenha capacidades ou habilidades evidentes, usa desprezo para minimizar o outro.
Direito (sente-se no direito de...): Narcisistas têm expectativas irracionais de que devem ser tratados melhor do que o resto do mundo. Falhas em trata-los desta forma são consideradas um ataque direto à sua superioridade, e o perpetrador de tão terrível ato é considerado um desastrado, ou ignorante, ou pessoa difícil de conviver. Agora, cuidado, porque qualquer desafio aos desejos de um narcisista é uma rajada de balas na ferida narcísica, o que pode provocar uma raiva insana que ninguém merece, nem quer ver. Tem uma série na TV aqui (HBO), chamada “Boss”. Deem uma olhada, que vale a pena.
Exploração: pode ser de várias formas, mas sempre tem a ver com usar alguém sem qualquer respeito pelos sentimentos ou interesses da pessoa usada. Geralmente,o usado está numa posição subserviente onde a resistência é muito difícil ou impossível. Tenho um exemplo ótimo, acontecido de verdade, aqui nesta terra de liberdade: no final da campanha presidencial, alguns diretores de empresas mandaram e mails para seus empregados, informando que, se o Obama ganhasse, muitos empregos seriam cortados. Chamaram de “informação adequada para que os empregados pudessem tomar decisões com conhecimento de causa”. Obama ganhou. Já tem empresas cortando horas dos empregados para não ter que pagar benefícios médicos.
Limites Mal Delimitados: Os narcisistas não reconhecem nem limites, nem o fato de que os outros são pessoas distintas e não simples extensões de seu desejo, pois entendem que, se não for para preencher suas necessidades, não precisariam existir. Aqueles que abastecimento o narcisista do jeito e com que ele quer, são tratados como se fossem parte dele, e deles espera (exige) que vivam de acordo com suas ( do narcisista) expectativas.
Já Theodore Million identificou 5 variantes de narcisismo, que são:
Narcisista sem princípios: inclui características antissociais, tais como pessoas enganadoras, sem escrúpulos. E se o que sigo nos jornais brasileiros e no facebook é correto, não preciso dar exemplos, vão dar uma olhadinha no processo do tal mensalão.
Narcisista amoroso: é o que engloba traços histriônicos e exibicionistas. Don Juan e Casanova são exemplos históricos.
Narcisista Compensatório: é o que inclui características passivo-agressivas e esquivantes. Um exemplo, são os que se reúnem em grupos de supremacia de alguma raça, e aqui há muitos supremacistas brancos, sendo os mais conhecidos a KKK.
Narcisista Elitista: padrão puro de narcisista, corresponde ao que Wilhelm Reich chamou de Narcisista Fálico.
Narcisista Fanático: inclui características paranóides. É o caso de indivíduos cujo desenvolvimento da autoestima foi severamente cerceado na infância, e que, por conseguinte, desenvolveu fantasias de onipotência. São os que estão lutando contra delusões de insignificância e falta de valor intrínseco e, para tanto, desenvolvem fantasias grandiosas. No caso de não conseguirem reconhecimento ou suporte, assumem algum papel heroico, ou procuram ser adorados por seguidores, inventando missões grandiosas. Creio que todos se recordam, ou pelo menos ouviram falar, de Jim Jones e Charles Mason.
Daí vai que, se o DSM decidiu que todo o descrito acima “não pode mais ser classificado como desviante de normas sociais”, a próxima vez que ouvir alguém dizer que o já amplamente citado livro é a “Bíblia da Psiquiatria”, vou brigar. Feio.
NA: Caso estejam interessados, deem uma olhada nas seguintes séries de TV e filmes, que coloquei em ordem alfabética.
American Psycho
Crime and Punishment (espero que tenham traduzido como Crime e Castigo)
Dallas
House,M.D
Nip/Tuck
The Picture of Dorian Gray (O retrato de Dorian Gray, tem o livro também do Oscar Wilde)
There will be blood (Sangue Negro, no Brasil e Havera Sangue, em Portugal
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