MITOS E BALELAS NA ÁREA PSI


Há alguns anos, li um artigo da Dra. Nada Loda Stotland, a respeito de concepções errôneas em psiquiatria (Am J Psychiatry 2009: 166:1101-1104), no qual ela expos conceitos muito interessantes, como por exemplo,o mito de que os distúrbios psiquiátricos não são condições tão bem definidas quanto outras doenças médicas,não são baseados em evidências,e os tratamentos não funcionam tão bem quanto em outras áreas da medicina.

Perguntava ela se as doenças psiquiátricas não eram reais porque não havia testes diagnósticos em psiquiatria.
O substrato, a localização física dos pensamentos,humor e comportamento é o cérebro, órgão do nosso corpo, o qual não deve ser cutucado à toa,sob pena de sérias consequências. Essa maquininha maravilha tem a consistência de gelatina dura, portanto Raios X não funcionam para saber se há algo quebrado por lá.
Porém, com o advento das tomografias, cada vez mais sofisticadas, principalmente a de emissão de prótons, já podemos ver a diferença entre um cérebro com depressão e outro sem, um cérebro com TDAH e outro sem, e esses achados complementam o que os profissionais diagnosticam, através da entrevista e da observação de comportamentos do paciente.

Será que os psiquiatras adoram etiquetar todo mundo, como forma de encher seus consultórios?
Segundo dados da OMS (Organização Mundial de Saúde), há uma falta crônica de psiquiatras em quase todos os países do mundo, além do fato de que os mesmos costumam ganhar bem menos que os colegas, e isso quando a companhias de seguros médicos pagam consultas psiquiátricas.

Aliás me pergunto, dando asas à minha vasta imaginação, se todo o movimento da antipsiquiatria não foi uma jogada brilhante dos seguros saúde.
Mas disso, não tenho qualquer evidência, então deixo a questão para, se e quando, um dia, resolver escrever um livro de ficção tipo James Patterson.

Então, vou ficar com as questões básicas:

Há alguma base científica para tratamentos psiquiátricos?

Sim, há anos de observação, estudo, tentativa e erro. Os tratamentos psiquiátricos funcionam tão bem ou melhor do que a média de outros tratamentos, e, curiosamente, segundo a conceituadíssima revista médica New England Journal of Medicine, menos da metade dos tratamentos para doenças cardiovasculares são baseados em boa evidência científica.

Como é possível que, só conversando com alguém, se possa tratar uma doença “real”?

Pode sim. Também pode ajudar pacientes com câncer a viver mais tempo e a diminuir a dor em certas doenças. Pode-se ver as mesmas alterações em neuroimagem quando a depressão é aliviada por medicação ou por psicoterapia.

Medicações psiquiátricas não só tornam as pessoas “zumbis”, como também mudam sua personalidade.

Qualquer remédio, até vitamina, pode causar reações sérias em pessoas sensíveis, principalmente quando é tomado ou demais, ou de menos, ou de vez em quando, isto é, não seguindo a prescrição. Sim, medicamentos psiquiátricos alteram a química cerebral e podem sim mudar a personalidade, de doente para saudável.
E, infelizmente, não tenho o talento suficiente para descrever a poesia pura que é assistir, por exemplo, um paciente esquizofrênico, totalmente incapacitado a funcionar no mundo, transformar-se aos poucos numa pessoa capaz, não só de reconhecer seus problemas, como também de poder cuidar de si.

Preconceitos contra problemas psíquicos, e quem cuida deles, remontam há milênios. Nós humanos temos a tendência a demonizar o que não entendemos, e também a sermos tanto mais vociferantes quanto menos entendemos de um assunto.

Já é difícil o suficiente ter uma doença, muitas vezes incapacitante, e tratar da mesma, sem ter que também lidar com o estigma.

O cérebro não é só o órgão mais complexo do corpo, como é também a estrutura mais complexa do universo, e então, obviamente, não há respostas simples.

Tal qual em todos os outros campos da medicina, o que não se sabe continua sendo muito mais do que aquilo que se sabe. Tal qual todos os outros colegas médicos, continuamos pesquisando para entendermos melhor os problemas, de forma a aliviar o sofrimento de nossos pacientes e tratá-los cada vez melhor.

No próximo post discutiremos outros mitos tais como:

Dependência a drogas é falta de força de vontade

As pessoas se tornam psicóticas assim, de repente, sem aviso prévio, e outras pérolas mais.

The Brain—is wider than the Sky - Emily Dickinson

The Brain—is wider than the Sky—
For—put them side by side—
The one the other will contain
With ease—and You—beside—

The Brain is deeper than the sea—
For—hold them—Blue to Blue—


The one the other will absorb—
As Sponges—Buckets—do—

The Brain is just the weight of God—
For—Heft them—Pound for Pound—
And they will differ—if they do—
As Syllable from Sound—



O Cérebro - é mais amplo do que o Céu -
Pois - colocai-os lado a lado -
Um o outro irá conter
Facilmente - e a Vós - também -

O Cérebro é mais fundo do que o mar -
Pois - considerai-os - Azul e Azul -
Um o outro irá absorver -
Como as esponjas - à Água - fazem -


O Cérebro é apenas o peso de Deus -
Pois - Pesai-os - Grama a Grama -
E eles só irão diferir - se tal acontecer -
Como a Sílaba do Som -

Emily Dickinson, Esta é a minha carta ao mundo e outros poemas, Trad. Cecília Rego Pinheiro, Assírio & Alvim, col. Gato Maltês, 1997

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