PALAVRAS VIOLENTAS LEVAM A ATOS VIOLENTOS?

"A receptividade das massas é muito limitada, sua inteligência pequena, mas seu poder de esquecimento é enorme. Em conseqüência desses fatos, toda a propaganda eficaz deve ser limitada a alguns poucos pontos que devem ser repisados e repetidos até que o último membro do público entenda o que você quer que ele entenda por seu slogan ". Adolf Hitler, Mein Kampf

Neste momento histórico, no qual parece que a retórica da violência se espalha feito retrovirus, este artigo da Sara Lipton, professora de historia na State University de NY, nos obriga a pensar muito seriamente. Porque pedir desculpas depois, ou simplesmente se eximir de culpas, não resolve muito. Aí no Brasil, temos os Bolsonaros da vida e a cultura da submissão e violência contra mulheres, a bancada evangélica do congresso estimulando o “nós santos contra vocês pecadores”, os congressistas se pegando a tapa em discussões sobre ética, lama se espalhando de canto a canto, a real e a figurada. Aqui, o Trump (que no ingles original, lá da terra de sua Majestade, significa peido), estimulando o pânico contra aqueles que não se parecem conosco, uma ala inteira, e grande, do Partido Republicano, o auto denominado “Tea Party”, em referência aos americanos que despejaram na baia de Boston o chá, provindo da Inglaterra, misoginistas até a medula de seus ossos, com discursos inflamados a respeito de tudo o que não é branco leite, nem rico. A extrema direita fazendo uma ressureição feito fênix na França, e, é claro, o ISIS, que simplesmente pulou a parte do discurso e foi diretamente a uma violência devastadora à tudo aquilo que mais assusta os sem discurso e sem razão: cultura e o poder da civilização, a qual, prestem atenção, é uma palavra feminina.

Para ler o artigo original, clique aqui http://www.nytimes.com/2015/12/13/opinion/the-words-that-killed-medieval-jews.html?smid=fb-nytimes&smtyp=cur&_r=0

“ A Procuradora-Geral Loretta E. Lynch recentemente expressou sua preocupação de que a retórica política anti-muçulmana provocaria um aumento nos ataques contra os muçulmanos. Alguns afirmam que o tiroteio em massa do mês passado em Colorado Springs, foi provocado pela afirmação de Carly Fiorina que Planned Parenthood era uma fábrica de "colheita de pedaços de bebês"; Dona Fiorina contrapôs que a linguagem não pode ser responsabilizada pelos atos de um homem "perturbado". Debates semelhantes têm sido ocasionados pelo espancamento de um homem latino-americano sem-teto em Boston, supostamente inspirado pela retórica anti-imigração do Donald J. Trump, e pela morte a tiros de policiais na Califórnia, Texas e Illinois, que alguns atribuíram aos sentimentos contra políciais nos protestos “Vidas Negras Contam”.

Nenhum historiador pretende ter insights sobre as motivações dos indivíduos, mas a história mostra que uma da retórica “incendiária” contra um determinado grupo pode incitar a violência contra esse grupo, mesmo quando não há qualquer necessidade da mesma. Quando um grupo é rotulado como hostil e brutal, seus membros são mais propensos a serem tratados com hostilidade e brutalidade. As imagens visuais são particularmente poderosas, estimulando ações que podem até nem serem intencionais pelos criadores das imagens.

A experiência dos judeus na Europa medieval oferece um exemplo preocupante. A teologia cristã oficial e a política em relação aos judeus, se manteve praticamente inalterada na Idade Média.A cerca de 1000 anos, o cristianismo condenou os princípios fundamentais do judaísmo e "os judeus" responsáveis pela morte de Jesus foram detidos. Mas os termos em que essas idéias foram expressas mudou tudo, radicalmente.

Até o ano 1100, as devoções cristãs eram focadas na natureza divina de Cristo e em seu triunfo sobre a morte. Imagens da crucificação mostravam um Jesus vivo e saudável na cruz, e por isso seus assassinos não eram o principal focos do pensamento cristão. Não havia polêmicas anti-judaicas, e as obras de arte retratavam seus algozes não como judeus, mas como soldados romanos(mais historicamente correto) ou como matutos sem noção.. Embora existam registros de esparsos episódios anti-judaicos como conversões forçadas, não havia, até aqui .um padrão consistente de violência anti-judaica.

Nas décadas em torno de 1100, uma mudança no foco da veneração cristã trouxe os judeus à tona. Em um esforço para estimular a compaixão entre os adoradores cristãos, pregadores e artistas começaram falar e pintar detalhes vívidos da dor de Cristo. Assim, ele foi transformado de juiz divino e triunfante, em salvador sofrido. Uma tática paralela, destinada a fomentar o sentimento de unidade dos cristãos, foi ressaltar a crueldade de seus supostos torturadores, os judeus.

Parte por esta identificação com um Cristo vulnerável, parte em resposta aos recentes sucessos militares turcos, e em parte porque um movimento de reforma interna estava questionando os fundamentos da fé, os cristãos começaram a se ver como se estivessem sendo ameaçados Em 1084 o papa escreveu que o cristianismo "caiu sob o escárnio, não só do Diabo, mas de judeus, sarracenos e pagãos". O "Aguilhão do Amor", uma releitura da crucificação que é considerada o primeiro tratado anti-judaico, foi escrito por volta de 1155-1180. Ele descreve os judeus como consumidos pelo sadismo e com sede de sangue, e assim, eles começaram a ser vistos como inimigos, não só de Cristo, mas também dos cristãos; foi nessa época que os judeus começaram a ser acusados de sacrificar ritualmente crianças cristãs.

Feroz retórica anti-judaica começou a permear sermões, peças de teatro e textos polêmicos. Judeus foram marcados como demoníacos e gananciosos. Em uma diatribe, o chefe do mosteiro mais influente da cristandade trovejou aos judeus: "Por que vocês não se chamam de animais irracionais? Por que não de bestas? "Imagens começaram a retratar os judeus como criaturas do mal com caricatos narizes aduncos.

Os primeiros registros de violência anti-judaica em grande escala, coincidem com esta mudança de retórica. Embora o papa, que pregou a Primeira Cruzada tivesse chamado apenas para uma "peregrinação armada", para retomar Jerusalém dos mussulmanos, as primeiras vítimas da Cruzada não foram os governantes turcos de Jerusalém, mas os residentes judeus da Renânia alemã. Relatos contemporâneos registraram os cruzados perguntando por que, se eles estavam viajando para uma terra distante para "matar e subjugar todos estes reinos que não acreditam no Crucificado", eles também não devem atacar "os judeus, que o mataram e crucificaram?"

Centenas, talvez milhares, de judeus foram massacrados em cidades onde haviam residido em paz por várias gerações. Em nenhum momento as autoridades cristãs promoveram ou consentiram com violência. A teologia cristã, que aplicava o verso do salmo "Não os mate" para os judeus, insistiu que os judeus não deveriam ser mortos por sua religião, e isso não tinha mudado. Clérigos estavam embasbacados para explicar os ataques. Um clérigo de uma cidade vizinha atribuiu os massacres a "algum erro da mente."

Mas nem todos os assassinos da Renânia eram loucos. Os cruzados começaram esse genocídio, na época da Páscoa. Ambos, cruzada e pregação da Páscoa, despertaram enorme raiva sobre a crucificação e medo dos inimigos hostis e ameaçadores. Não é de surpreender que as bandas armadas beligerantes transformaram tal retórica em ação anti-judaica.

Por todo o resto da Idade Média, esse padrão foi repetido: Pregações sobre as cruzadas, proclamações de "inimizade" dos judeu ou acusações anti-judaicas infundadas foram seguidas por surtos de violência anti-judaica, que as mesmas autoridades que haviam despertado as zelosas paixões dos cristãos, agora, chocadas, foram incapazes de conter. Vemos isso na Renânia durante a Segunda Cruzada (1146), na Inglaterra durante a Terceira Cruzada (1190), em Franconia em 1298, em muitas localidades depois da Peste Negra em 1348, e na Península Ibérica em 1391. Às vezes, os agressores eram zelosos guerreiros sagrados, por vezes, eram oportunistas rivais nos negócios, às vezes pais em luto pela morte de suas crianças por acidente ou crime, ou com medo dos estragos de uma nova doença.

Alguns deles podem muito bem ter sido insanos. Mas sãos ou dementes, eles não pegaram suas vítimas em um vácuo. Foi a escoriação desumanizante e repetida, que levou os cristãos medievais a atacar as pessoas que tinham sido por muito tempo seus vizinhos.

Provedores da retorica anti-muçulmana, anti-imigrantes, anti-polícia . anti-aborto, anti gay, anti feminismo de hoje podem até nem ter a intenção de provocar violência contra os muçulmanos, imigrantes, policiais e profissionais de saúde. Mas, à luz da história, eles não devem se chocar quando a violência acontecer.”

E em minha modesta opinião, não deveriam não só se chocar, mas também serem responsabilizados pela violência que provocaram. É inconcebivel que um adulto ou adulta, que faz sua vida em politica, possa ser tão desligado mentalmente que não consiga imaginar as possiveis consequencias da instilação do ódio. Porque não é, nem nunca foi o amor que nos une.

Na psicologia das massas, o que une, mais do que tudo, é o medo e ódio comuns, voltados contra um inimigo, fora de nós mesmos e facilmente identificavel. Porque é muito mais fácil ver um cisco no olho do outro do que um galho inteiro dentro do nosso. E, provavelmente por causa disso que Freud foi e é tão odiado. Ele apontou, sem meias palavras, o galho dentro de nosso olho, quando colocou: “Quando Pedro fala de Paulo, aprendo muito mais sobre Pedro do que sobre Paulo.”.

Comentários

  1. Boa Noite Dra. Patrizia.
    Por favor, entrar em contato com o Conselho Regional de Medicina de São Paulo no 11 5908-5615/5633 ou via e-mail cadastro@cremesp.org.br para atualização do seu endereço.
    att,
    Uelinton Oliveira

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