DEPRESSÃO PODE SER TRATADA, MAS É PRECISO COMPETÊNCIA
Decidi traduzir esse artigo da Kay Redfield Jamison, não só pelo fato dela ser considerada a maior especialista na área, mas também por ser um dos únicos dos que se seguiram à morte do Robin Williams que não é nem piegas nem exagerado, mas claro, conciso e direto ao ponto. No final, breve bio da autora e seus livros, os quais considero básicos para os que trabalham na área psi e excelentes para qualquer um que queira ter uma ideia do assunto. Como concordo tanto com suas palavras, nem sequer fiz comentários.
Quando, em 1931, o artista americano Ralph Barton se suicidou, deixou uma nota explicando porquê, em meio a uma vida aparentemente boa e completa, ele escolhera morrer.
“Todos os que me conheceram ou ouviram falar de mim, terão uma hipótese diferente para explicar porque fiz isso, e a maioria das explicações estará errada. Tive poucas dificuldades reais e mais do que muitos em carinho e apreço. Apesar disso, meu trabalho se tornou tortura e me tornei causa de infelicidade a outros. Corri de uma esposa a outra, de uma casa a outra, de um país a outro, num ridículo esforço de escapar de mim mesmo.”
A razão que ele deu para seu ato foi “Uma vida inteira de melancolia, piorada por sintomas claros de insanidade maníaco-depressiva.”
Barton estava correto a respeito das reações dos outros. Muitas vezes, é mais fácil explicar um suicídio por causas externas, como problemas conjugais ou de trabalho, doenças físicas, estresse financeiro ou problemas com a lei do que é atribuí-lo à doença mental.
Certamente, stress é importante e muitas vezes interage perigosamente com a depressão. Mas o fator de risco mais importante para o suicídio é a doença mental, principalmente depressão ou transtorno bipolar (também conhecido como doença maníaco-depressiva). Quando a depressão é acompanhada por álcool ou drogas, o que é muito comum, o risco de suicídio aumenta perigosamente.
A depressão suicida envolve um tipo de dor e desespero que é impossível de descrever - e eu tentei. Sou professora de psiquiatria e escrevi sobre a minha doença bipolar, mas as palavras se esforçam para fazer justiça aos sentimentos. Como se descreve a sensação de passar de ser alguém que ama a vida a alguém que só deseja morrer?
Depressão suicida é um estado de horror e desespero gelado, agitado e implacável.
As coisas que você mais ama na vida se vão. Tudo é um esforço, o dia inteiro e noite afora. Não há esperança, não há sentido, não há nada. A carga, que se sabe, estamos sendo para outras pessoas, é intolerável. Assim também o é, a agitação da mania que pode ferver dentro de uma depressão. Não há nenhuma maneira de sair e à frente, uma estrada sem fim.
Quando alguém está nesse estado, o suicídio pode parecer uma escolha ruim, mas é a única.
Há tempos, tive depressão suicida. Sou um dos milhões de pessoas que passaram por tratamentos para a depressão e fiquei bem. Tive a sorte de ter um psiquiatra bem versado no uso de lítio, bem informado sobre a minha doença, e que também era um excelente psicoterapeuta.
Infelizmente, essa não é a experiência comum. Muitos profissionais de diferentes áreas, tratam a depressão, incluindo médicos de família, internistas, ginecologistas, bem como psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais.
Isso resulta em níveis de competência loucamente descontrolados.
Muitos dos que tratam depressão, não são bem treinados na distinção entre os tipos da mesma. Não há um padrão comum para o ensino do como chegar ao diagnóstico.
Distinguir entre depressão bipolar e distúrbio depressivo maior, por exemplo, pode ser difícil e erros acontecem. Um erro de diagnóstico pode ser fatal. Medicações que funcionam bem com uma pessoa, induzem agitação em outra.
Nós exigimos tratamentos bem informados, baseados em evidência para os cânceres e as doenças cardíacas. Deveríamos exigir o mesmo para as doenças mentais e a depressão.
Por exemplo: sabemos que o lítio diminui enormemente o risco de suicídio, em pacientes com distúrbios do humor como o distúrbio bipolar,e, apesar disso, só é usado em última instância. Também sabemos que medicação E psicoterapia funcionam muito melhor em conjunto, do que qualquer uma das duas separadamente. No entanto, muitos clínicos continuam a puxar a sardinha para sua própria brasa, quer exclusivamente na psicofarmacologia ou na psicoterapia.
E também sabemos que muitas pessoas com depressão suicida reagem bem à eletroconvulsoterapia (ECT), mas o preconceito contra o tratamento, ao invés da ciência, continua reinando em muitos hospitais, clínicas e consultórios.
Pacientes com depressão grave e seus familiares, devem ser envolvidos nas discussões sobre o suicídio, sempre que possível.
No geral, a depressão embota a capacidade de pensar e lembrar e, por isso, os pacientes devem receber informações sobre sua doença, tratamento e sobre os sintomas indicativos de risco de suicídio - como agitação, insônia e impulsividade, por escrito. (Na minha prática, uma cópia sempre foi dada aos familiares, só por via das dúvidas).
Uma vez que o paciente em depressão suicida tenha se recuperado, é valioso para o médico, paciente e familiares, discutir o que foi útil para o tratamento e que deve ser feito se a pessoa se tornar suicida novamente.
Nem sempre é fácil conviver ou se comunicar com pessoas deprimidas, pois a depressão, irritabilidade e falta de esperança podem ser contagiosas – assim, fazer planos quando o paciente está bem é o melhor caminho.
Uma diretriz antecipada que especifica os desejos do paciente, tanto a respeito de tratamento quanto de situações legais que possam surgir, pode ser útil. Eu tenho uma, por exemplo, que especifica que concordo com ECT se meu médico e meu marido, que também é médico, acharem que é o melhor curso de tratamento.
Pelo fato de ensinar e escrever sobre depressão e doença bipolar, muitas vezes me perguntam qual é o fator mais importante no tratamento. Minha resposta é :competência.
Empatia é importante, mas competência é essencial.
Tive a sorte de ter um psiquiatra que possuía ambas. Foi uma longa viagem de volta à vida, depois de quase morrer numa tentativa de suicídio, mas ele estava comigo, na verdade à minha frente, a cada lentíssimo passo do caminho.
To Know Suicide: Depression can be Treated but it takes competence http://www.nytimes.com/2014/08/16/opinion/depression-can-be-treated-but-it-takes-competence.html?_r=0
Kay Redfield Jamison é psicóloga clínica, escritora e a primeira e única psicóloga a ser professora de psiquiatria na Escola de Medicina John Hopkins, e até onde sei, no resto do mundo. Também é professora honorária de Inglês na Universidade de St. Andrews.
Durante sua carreira, ganhou inúmeros prêmios, aqui só coloco os mais interessantes:
Melhor Médico dos Estados Unidos, Herói da Medicina, Prêmios da Academia Nacional de Saúde Mental (NAMH) e da Fundação Americana para Prevenção de Suicídio.
Também foi uma das 5 pessoas escolhidas para a série televisiva “Grandes Mentes em Medicina.”
Começou a ter problemas com seu distúrbio bipolar, no início da faculdade, problemas esses que foram piorando, até uma séria tentativa de suicídio com medicação. Depois disso, entendeu que teria que tomar medicação pelo resto da vida, pois todas as vezes que parava de toma-la, surtos sérios aconteciam.
LIVROS
Uma Mente Inquieta (An Unquiet Mind: A Memoir of Moods and Madness): Foi escrito tanto para ajudar os médicos a enxergar o que um paciente vê como útil no Tratamento, quanto para ilustrar a importância de estar presente para os pacientes e não tentar acalmá-los com platitudes ou promessas de um futuro melhor
Tocados Pelo Fogo: A Doença Maníaco-Depressiva e o Temperamento Artístico (Touched with Fire: Manic-Depressive Illness and the Artistic Temperament)
Os restantes coloquei tradução minha, pois não encontrei em português.
Doença Maníaco Depressiva (Manic-Depressive Illness)
A noite cai depressa: Entendendo o Suicídio (Night Falls Fast: Understanding Suicide)
Exuberância: A paixão pela vida (Exuberance: The Passion for Life)
Nada mais foi o mesmo: Memórias (Nothing Was the Same: A Memoir)
Quando, em 1931, o artista americano Ralph Barton se suicidou, deixou uma nota explicando porquê, em meio a uma vida aparentemente boa e completa, ele escolhera morrer.
“Todos os que me conheceram ou ouviram falar de mim, terão uma hipótese diferente para explicar porque fiz isso, e a maioria das explicações estará errada. Tive poucas dificuldades reais e mais do que muitos em carinho e apreço. Apesar disso, meu trabalho se tornou tortura e me tornei causa de infelicidade a outros. Corri de uma esposa a outra, de uma casa a outra, de um país a outro, num ridículo esforço de escapar de mim mesmo.”
A razão que ele deu para seu ato foi “Uma vida inteira de melancolia, piorada por sintomas claros de insanidade maníaco-depressiva.”
Barton estava correto a respeito das reações dos outros. Muitas vezes, é mais fácil explicar um suicídio por causas externas, como problemas conjugais ou de trabalho, doenças físicas, estresse financeiro ou problemas com a lei do que é atribuí-lo à doença mental.
Certamente, stress é importante e muitas vezes interage perigosamente com a depressão. Mas o fator de risco mais importante para o suicídio é a doença mental, principalmente depressão ou transtorno bipolar (também conhecido como doença maníaco-depressiva). Quando a depressão é acompanhada por álcool ou drogas, o que é muito comum, o risco de suicídio aumenta perigosamente.
A depressão suicida envolve um tipo de dor e desespero que é impossível de descrever - e eu tentei. Sou professora de psiquiatria e escrevi sobre a minha doença bipolar, mas as palavras se esforçam para fazer justiça aos sentimentos. Como se descreve a sensação de passar de ser alguém que ama a vida a alguém que só deseja morrer?
Depressão suicida é um estado de horror e desespero gelado, agitado e implacável.
As coisas que você mais ama na vida se vão. Tudo é um esforço, o dia inteiro e noite afora. Não há esperança, não há sentido, não há nada. A carga, que se sabe, estamos sendo para outras pessoas, é intolerável. Assim também o é, a agitação da mania que pode ferver dentro de uma depressão. Não há nenhuma maneira de sair e à frente, uma estrada sem fim.
Quando alguém está nesse estado, o suicídio pode parecer uma escolha ruim, mas é a única.
Há tempos, tive depressão suicida. Sou um dos milhões de pessoas que passaram por tratamentos para a depressão e fiquei bem. Tive a sorte de ter um psiquiatra bem versado no uso de lítio, bem informado sobre a minha doença, e que também era um excelente psicoterapeuta.
Infelizmente, essa não é a experiência comum. Muitos profissionais de diferentes áreas, tratam a depressão, incluindo médicos de família, internistas, ginecologistas, bem como psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais.
Isso resulta em níveis de competência loucamente descontrolados.
Muitos dos que tratam depressão, não são bem treinados na distinção entre os tipos da mesma. Não há um padrão comum para o ensino do como chegar ao diagnóstico.
Distinguir entre depressão bipolar e distúrbio depressivo maior, por exemplo, pode ser difícil e erros acontecem. Um erro de diagnóstico pode ser fatal. Medicações que funcionam bem com uma pessoa, induzem agitação em outra.
Nós exigimos tratamentos bem informados, baseados em evidência para os cânceres e as doenças cardíacas. Deveríamos exigir o mesmo para as doenças mentais e a depressão.
Por exemplo: sabemos que o lítio diminui enormemente o risco de suicídio, em pacientes com distúrbios do humor como o distúrbio bipolar,e, apesar disso, só é usado em última instância. Também sabemos que medicação E psicoterapia funcionam muito melhor em conjunto, do que qualquer uma das duas separadamente. No entanto, muitos clínicos continuam a puxar a sardinha para sua própria brasa, quer exclusivamente na psicofarmacologia ou na psicoterapia.
E também sabemos que muitas pessoas com depressão suicida reagem bem à eletroconvulsoterapia (ECT), mas o preconceito contra o tratamento, ao invés da ciência, continua reinando em muitos hospitais, clínicas e consultórios.
Pacientes com depressão grave e seus familiares, devem ser envolvidos nas discussões sobre o suicídio, sempre que possível.
No geral, a depressão embota a capacidade de pensar e lembrar e, por isso, os pacientes devem receber informações sobre sua doença, tratamento e sobre os sintomas indicativos de risco de suicídio - como agitação, insônia e impulsividade, por escrito. (Na minha prática, uma cópia sempre foi dada aos familiares, só por via das dúvidas).
Uma vez que o paciente em depressão suicida tenha se recuperado, é valioso para o médico, paciente e familiares, discutir o que foi útil para o tratamento e que deve ser feito se a pessoa se tornar suicida novamente.
Nem sempre é fácil conviver ou se comunicar com pessoas deprimidas, pois a depressão, irritabilidade e falta de esperança podem ser contagiosas – assim, fazer planos quando o paciente está bem é o melhor caminho.
Uma diretriz antecipada que especifica os desejos do paciente, tanto a respeito de tratamento quanto de situações legais que possam surgir, pode ser útil. Eu tenho uma, por exemplo, que especifica que concordo com ECT se meu médico e meu marido, que também é médico, acharem que é o melhor curso de tratamento.
Pelo fato de ensinar e escrever sobre depressão e doença bipolar, muitas vezes me perguntam qual é o fator mais importante no tratamento. Minha resposta é :competência.
Empatia é importante, mas competência é essencial.
Tive a sorte de ter um psiquiatra que possuía ambas. Foi uma longa viagem de volta à vida, depois de quase morrer numa tentativa de suicídio, mas ele estava comigo, na verdade à minha frente, a cada lentíssimo passo do caminho.
To Know Suicide: Depression can be Treated but it takes competence http://www.nytimes.com/2014/08/16/opinion/depression-can-be-treated-but-it-takes-competence.html?_r=0
Kay Redfield Jamison é psicóloga clínica, escritora e a primeira e única psicóloga a ser professora de psiquiatria na Escola de Medicina John Hopkins, e até onde sei, no resto do mundo. Também é professora honorária de Inglês na Universidade de St. Andrews.
Durante sua carreira, ganhou inúmeros prêmios, aqui só coloco os mais interessantes:
Melhor Médico dos Estados Unidos, Herói da Medicina, Prêmios da Academia Nacional de Saúde Mental (NAMH) e da Fundação Americana para Prevenção de Suicídio.
Também foi uma das 5 pessoas escolhidas para a série televisiva “Grandes Mentes em Medicina.”
Começou a ter problemas com seu distúrbio bipolar, no início da faculdade, problemas esses que foram piorando, até uma séria tentativa de suicídio com medicação. Depois disso, entendeu que teria que tomar medicação pelo resto da vida, pois todas as vezes que parava de toma-la, surtos sérios aconteciam.
LIVROS
Uma Mente Inquieta (An Unquiet Mind: A Memoir of Moods and Madness): Foi escrito tanto para ajudar os médicos a enxergar o que um paciente vê como útil no Tratamento, quanto para ilustrar a importância de estar presente para os pacientes e não tentar acalmá-los com platitudes ou promessas de um futuro melhor
Tocados Pelo Fogo: A Doença Maníaco-Depressiva e o Temperamento Artístico (Touched with Fire: Manic-Depressive Illness and the Artistic Temperament)
Os restantes coloquei tradução minha, pois não encontrei em português.
Doença Maníaco Depressiva (Manic-Depressive Illness)
A noite cai depressa: Entendendo o Suicídio (Night Falls Fast: Understanding Suicide)
Exuberância: A paixão pela vida (Exuberance: The Passion for Life)
Nada mais foi o mesmo: Memórias (Nothing Was the Same: A Memoir)
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