A MAIS DEPRIMENTE DAS DESCOBERTAS A RESPEITO DO CÉREBRO
Já relatei, em prosa e verso, minha contínua paixão a respeito desse pequeno e prodigioso órgão, localizado no espaço entre nossas orelhas. Como controla todas nossas funções, fisiológicas e as assim chamadas mentais, que são tão fisiológicas quanto o suar debaixo de sol quente, como é capaz de modificar-se com a experiência, diferentemente de todos os outros, como é ótimo nisso, naquilo e naquele outro mais. Tal paixão dura cerca de 4 décadas, desde aquele dia glorioso em que vi o primeiro neurônio, naqueles slides super antigos, neuronio em preto sobre fundo azul, mostrado pelo Prof. Mano, e minha declaração de que era aquilo que iria fazer, embora sem ter muita certeza ainda do que “aquilo” fosse. Cá entre nós, o “aquilo”, que virou neurologia e psiquiatria, já se expandiu e se modificou tanto, que volta e meia tenho que repensar no que é meu “aquilo”.Mas como toda boa história de amor, esta também teve seus altos e baixos, percalços de caminho, lutas, perdas, superações, enfim, todas as coisas que fazem parte de qualquer história, mas nunca deprimi tanto como no período entre ano passado e presente momento.
Não bastassem os desastres causados por nós mesmos, os assim chamados “homo sapiens”, cada vez mais homo(fóbicos)* e menos sapiens, e só para exemplificar esta última semana (exemplos aleatórios, mas que me chamaram atenção no mar de desgraças):
1- O sarampo, que havia sido declarado extinto em 2000, aqui nos USA, está fazendo um fantástico retorno, principalmente nos estados de NY, California e Texas, seguindo o que é chamado de movimento “anti-vacinação”, coisa suportada por algumas celebridades televisivas como a atriz Jenny McCarthy, o ator Aidan Quinn e a estrela de “reality show”,Kristin Cavallari, como se pode notar, cientistas de peso, que continuam acreditando que a vacinação tripla causa autismo, apesar de todas as evidências em contrario, e que são tantas que nem dá para colocar aqui. Isso, e o fato de, o filho da McCarty, segundo ela autista pelas vacinas, nem autista é, sendo o diagnóstico muito diferente.
2- Dois irmãos mortos, de pneumonia, o primeiro em 2009, com 2 anos, e o segundo de 8 meses, ano passado, porque seus pais, Herbert e Catherine Schaible, da Pennsilvania, como disseram ao juiz: “Acreditamos na cura divina, que Jesus derramou seu sangue para nossa cura e que morreu na cruz para quebrar o poder do demônio.” Tem mas 7 filhos, que, por enquanto, estão sobrevivendo.
3- O assim chamado “jovem evengélico”cujo nome esqueci de salvar, que invadiu a Igreja da Nossa Senhora do Patrocínio do Santíssimo Sacramento e quebrou entre outras coisas, a imagem da padroeira da cidade, Nossa Senhora Aparecida, tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal.O abestalhado disse que destruiu os 10 santos por não concordar com a idolatria às imagens e por “não ser condizente ao seu credo”.
4- O conflito Gaza–Israel, que começou no verão de 2006, e que apesar do fato de Hamas e Israel terem concordado com cessar-fogo em seguida à operação “Pilares da Defesa”, em Novembro de 2012, continua firme e forte, um lado culpando o outro, morte, horror e destruição, muito mais para os palestinos do que para os judeus.
5- O avião da Malasya Airlines, com 298 pessoas a bordo, derrubado na Ucrânia, quase divisa com a Russia, com todo mundo apontando o dedo para todo mundo, inclusive a última que vi na BBC, que um grupo de russos veio com a idéia de que citado avião foi derrubado pelos americanos, para fazer com que os russos ficassem com a cara no chão. E, pela mesma BBC, a popularidade de Putin com seus constituinte, subiu enormemente.
Exemplos não faltam, o que falta é espaço, que minha idéia aqui não é escrever a segunda edição de Guerra e Paz, mas explicar minha profunda decepção com um de meus grandes amores.
Como disse no início, não bastassem os exemplos citados, o artigo do Professor Dan Kahan, da Faculdade de Direito de Yale, com o pomposo título de “Motivated Numeracy and Enlightened Self-Government”(Motivação dos Números e Autonomia Iluminada - tradução livre minha), foi um golpe forte em minhas esperanças. Explico. Sei que todos nós, em maior ou menor grau funcionamos à base do Raciocínio Motivado,que é por definição,“o fenômeno de tomada de decisão de forma tendenciosa, baseado em emoções à revelia de evidências, e que tem como objetivo mitigar dissonâncias cognitivas” (Webster's Third New International Unabridged Dictionary).
Isso tudo significa que, nós humanos, no geral, ao invéz de buscar informação de forma racional, que possa confirmar ou desconfirmar determinada crença, na realidade buscamos só aquele tipo de informação que confirme aquilo no qual já, de antemão, acreditamos.
Tudo bem, todo mundo que trabalha em qualquer subdivisão das neurociências sabe disso há muito tempo, mas também acreditávamos que, com educação, treino, e, maravilha das maravilhas, toda a informação disponível via internet, essa necessidade diminuiria exponencialmente na medida que o conhecimento se tornasse cada vez mais popularizado.
E, como de costume lembrando Maiza, “nosso mundo caiu…”.E a última cutucada, se é que precisava, na nossa bolha otimista, foi dada pelo artigo citado no início, que básicamente diz o seguinte:
“O mecanismo de negação é a base de como nosso cérebro funciona. O acesso a melhor e maior quantidade de informações não transforma pessoas pouco acostumadas a entreter idéias, em cidadãos com cérebros bem equipados. Muito antes pelo contrário, só os torna mais comprometidos com os própios equívocos.Durante toda a história, ninguém, comprometido com alguma idéia política, religiosa ou econômica, mudou de idéia só porque novos dados abalaram a concretude de seu pensamento.Quando há conflito entre as crenças partidárias e evidências claras, são as crenças que ganham. O poder da emoção sobre a razão não é uma falha em nossos sistemas operacionais, é uma característica.”
Então, antes de se esvair em lágrimas, olha só como o autor desenvolveu citado artigo, simplesmente tomando como base as pesquisas de Brendan Nahyan, professor assistente de ciências governamentais na Universidade de Dartmouth, que demonstrou o seguinte:
Pessoas que acreditavam que Armas de Destruição em Massa haviam sido encontradas no Iraque, passaram a acreditar na desinformação, de forma ainda mais forte, quando lhes era mostradas notícias negando o fato.
Pessoas que pensavam que George W. Bush havia proibido todas as pesquisas com células-tronco não mudaram de idéia mesmo depois que lhes foram mostrados artigos e mais artigos relatando que só alguns trabalhos com células-tronco financiadas pelo governo federal foram parados.
A pessoas que afirmavam que o ponto mais importante de um governo é a economia, e que desaprovavam a política de Obama, foi mostrado um gráfico de empregos não agrícolas, o qual, em relação ao ano anterior, mostrava uma linha ascendente, com a adição de mais de 1 milhão de empregos. Foi perguntado se o número de pessoas com empregos tinha ido para cima, baixo ou ficado na mesma. Muitos, olhando diretamente para o gráfico, disseram que havia diminuido.
Aí, o Khan decidiu usar simples aritmética comparativa, mostrando a um grupo de pessoas uma tabela de números a respeito de se, determinado creme melhorava ou não erupções cutâneas, e a maioria do grupo chegou a exatamente os mesmos resultados.
A mesmíssima tabela, com os mesmíssimos números foi mostrada ao mesmo grupo, dias depois, mudando a premissa, ou seja, foi perguntado se, determinada lei que bania o direito das pessoas de portarem armas, reduzia ou não a incidência de crime.
Surpresa, surpresa! Dependendo das crenças a respeito de armas de cada um, as conclusões aritméticas foram totalmente diversas.
Assim, Khan concluiu que, gente que faz contas básicas de aritmética, perfeitamente bem a respeito de um creme, erra nas mesmissimas contas quando a coisa se relaciona a crença prévia. Daí o nome do artigo.
Pronto. Pode chorar, mas só um pouquinho porque, o que também foi descoberto é que, não importa qual a crença, se, antes de passar pelo teste, as pessoas gastam alguns minutos escrevendo umas poucas sentenças a respeito de uma experiência que os tenha feito sentir-se bem a respeito de si mesmas, a maior parte delas começa a ver os gráficos como realmente são e a fazer as contas certas, e até mesmo mudando a idéia previamente tão cara.
Simples assim: quando gastamos uns minutinhos afirmando nossa auto estima e valor, ficamos mais propensos a enxergar a realidade, a mudar de idéia, a ousar.
E aqui, solto um berro de pura alegria, e só não pulo feito índio em dança de chuva porque estou com um pé imobilizado, o que em nada impede de me felicitar efusivamente ao som da Nona de Beethoven, fechar este arquivo e abrir o outro, que por enquanto se chama “Neurologia para Crianças”.
Porque meu sonho de longa data, começa a se concretizar, pelo menos no papel. Sonho que é ensinar a educadores e pais a treinarem as crianças, através de atividades lúdicas, a entender e lidar com o própio cérebro, para que não seja o inimigo, mas o aliado na construção de uma vida plena.
Cheers!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
* Uso o têrmo Homofóbico, num sentido amplo, representando tudo o que é racismo, isto é o ódio a outro ser humano ou grupo deles, só porque são diferentes da gente em alguma coisa, cor, credo, gênero, orientação sexual, etc...
Motivated Numeracy and Enlightened Self-Government http://www.cogsci.bme.hu/~ktkuser/KURZUSOK/BMETE47MC15/2013_2014_1/kahanEtAl2013.pdf
When Corrections Fail:The persistence of political misperceptions http://www.dartmouth.edu/~nyhan/nyhan-reifler.pdf
Oi! Acompanho, sempre que possível, seus artigos. Embora não tenha terminado meu curso de Psicologia, tenho muito interesse na área. Me interessa a natureza humana com suas mil facetas. Dirijo um grupo religioso a 30 anos e convivo com muitas questões interessantes de comportamento que me fizeram me "intrometer" respondendo este post. Se me permite compartilhar esta pequena experiência... Ha algum tempo atras observei que tanto o corpo integrante da casa quanto os visitantes vinham com suas preocupações particulares e uma agitação e pouca atenção no mínimo embaraçosas. Chamava a todos para um "olhar" mais espiritualizado e a resposta não era satisfatória. Então, em algum momento, estava meditando em meu espaço religioso, observando plantas e afins, quando minha filha menor (na época com 6 anos) me perguntou o que fazia. Expliquei que procurava encontrar uma maneira de melhorar a interação das pessoas e leva-las a se sentir melhores. Ela me perguntou o que Eu fazia... respondi de pronto: penso em mim como parte do mundo, da natureza, procuro meus medos para confronta-los e minhas "verdades" para aferi-las ou revalida-las... Dai a resposta infantil, simples e clara: E porque não ensina a eles a fazer isso? rrsr Bom... ri muito. Apliquei a aula e depois de uns minutos silenciosos a resposta foi ótima! Tornei prática nas palestras iniciais uma reflexão sobre sí, sobre a família e sobre sua parte na natureza. Recebi muitos elogios e observações que sou um "sacerdote diferente"... É... havia me esquecido do mais importante: tornar clara a ideia, usar argumentação simples e resgatar com carinho o melhor que temos compreendendo e perdoando nossas falhas. Acredito que aqui juntei alguns outros trabalhos seus e não sei se este espaço "cabe" esta reflexão, mas sou grato imensamente por compartilhar suas descobertas e reflexões. Marcos
ResponderExcluirOlá Marcos Castilho
ResponderExcluirObrigada por me seguir, e parabenize sua filha por mim. Nada como uma criança para entender e sumarizar o básico da vida. Pena que, com o crescimento e a socialização, a maioria de nós perde essa capacidade e nem procura mais encontrá-la. Quanto a reflexões, cabem sempre, em qualquer lugar. Grata por me deixar saber as suas.
Patrizia