SEJA MAIS PRODUTIVO FAZENDO MENOS

“LAZER É A NOVA PRODUTIVIDADE”

Imaginem a alegria de uma pobre senhora de meia idade, combalida pela vida, incapaz de multitasking, vivendo nos USA onde multitascar é um orgulho nacional, ao ler a frase acima. Na fração de segundo que durou a dúvida entre sair cantando Aleluias ou ler o resto do artigo, optei pelo segundo, até mesmo porque, no local onde estava, não ia pegar muito bem sair cantando a plenos pulmões. Lido que foi, a decisão de traduzi-lo num post do blog, veio como consequência. Então, aqui vai.

Esse slogan absurdo surgiu a partir de um painel do qual participei semana passada, na conferência anual da New America Foundation, um grupo de reflexão de Washington DC,do qual tenho a sorte de fazer parte. A moderadora foi Brigid Schulte, uma repórter do Washington Post e autora de um novo livro - Esmagado: Trabalho, Amor e Lazer quando ninguém tem tempo (original: Overwhelmed: Work, Love and Play When No One Has the Time –tradução minha, que ainda não foi traduzido para a língua de Camões). O foco do livro é a respeito de tempo e como o usamos, e a autora coloca que, aqui nos USA, usamos a maior parte do tempo para trabalhar, ficando muito mais horas no escritório do que qualquer trabalhador em qualquer outro país desenvolvido, com exceção do Japão e Coréia do Sul.

Como resultado, temos um monte de trabalhadores improdutivos, doentes, infelizes, esgotados, e desengajados, e assim, ironicamente, somos menos produtivos, criativos e inovativos do que seríamos, se tivessemos mais tempo livre. Nosso contínuo estado de estarmos ocupados, nos impede de entrar naquele estado mental solto, associativo no qual são feitas conexões inesperadas e são alcançadas aquelas percepções tipo - aha! Eureka! É isso!

Schulte estava elaborando sobre pesquisas de psicólogos e neurocientistas, um dos quais, Mark Beeman, professor da Universidade de Northwestern, também estava no painel.
Beeman e seus colaboradores descobriram que, embora possa parecer que estamos ociosos enquanto sonhamos de olhos abertos ou nossa mente vagando, o cérebro está realmente trabalhando duro, usando maior variedade de recursos mentais do que aqueles que são utilizados durante o pensamento metódico. (Não conheço o prezado colega, mas já o amo de paixão).

Assim, Shulte escreveu: “Esse "modo predefinido", sem foco, é como uma série de plataformas aeroportuárias em diferentes e, normalmente, desconexas partes do cérebro. Quando ativado, reúne pensamentos dispersos, faz conexões aparentemente aleatórias e nos permite ver um velho problema numa luz inteiramente nova. Se não permitimos que nossas mentes tenham este tipo de tempo de inatividade, porque estamos sempre sob estresse e correndo para terminar nos prazos, sempre no telefone ou no e-mail, tais idéias não se concretizarão. Para nos concentrarmos em algo, temos que suprimir um monte de outras coisas. Às vezes, isso é bom. Mas às vezes a solução para um problema só pode acontecer via informações aparentemente sem relação, de dar tempo para idéias mais silenciosas, lá no fundo, venham à tona”.

Schulte e Beeman afirmam que precisamos abrir espaço em nossas vidas para dois tipos distintos de atividade mental: o dirigido, de atenção focada, geralmente esperado no trabalho e na escola, mas também um estado mais difuso e de lazer em que nos concentramos em nada em particular, sendo a oscilação entre estes dois estados, uma espécie de intervalo de formação, o que, para a mente, é a melhor forma de colher os benefícios de ambos os tipos de pensamento.
E conclui: “À medida que caminhamos cada vez mais para uma economia do conhecimento, na qual as idéias são nossos produtos, temos que pensar sobre de onde essas idéias vêm, e elas aparecem não só como consequência de trabalho convencional, mas também do lazer produtivo.

Annie Murphy Paul é a autora, não só deste artigo como também do livro Brilliant: The Science of How We Get Smarter (Brilhante: A ciência de como nos tornamos mais espertos)

Por vários motivos que aqui não cabem, tenho profunda aversão por pessoas que precisam se mostrar ocupadas. Uma vez, há muito tempo, uma amiga me disse “Se você algum dia precisar de ajuda, procure sempre alguém que tenha uma vida cheia. Essa pessoa vai achar tempo para ajudar. Já se, a pessoa tiver que demonstrar o quanto está ocupada, difícilmente vai querer usar seu tão alardeado precioso tempo, para ajudar.” Mais ou menos, era o que meu avô me dizia, só que numa idade em que não prestei muita atenção. Quando mudei aqui para os USA, a primeirissima coisa que me surpreendeu sobremaneira, foi um tal de Resumè, a ser feito para procurar emprego, acostumada que estava com bom e velho Curriculum Vitae, que aqui a gente só leva depois da primeira entrevista para o citado emprego, e assim mesmo só se for para ambiente acadêmico. Fora isso, ninguém nem sabe o que é. Encalacrei. Que diabos vem a ser isso? Bom, é uma espécie de propaganda de você mesma, onde se coloca o quão incrível e fantástica se é, o quão multitasking se sabe ser, como vai se resolver os problemas do local de trabalho assim de sopetão, como sabemos liderar times de trabalho e coisas do gênero. Exatamente tudo o que não sei como fazer. Para encurtar a história, meu marido, gênio dos resumés, fez o meu. Mandei, uma semana depois estava empregada. E meu chefe nunca mais parou de rir, quando lembrava de minha cara, rubra de vergonha, enquanto ele lia alto meu resumé para o painel de 8 pessoas me entrevistando. Mais tarde, fui aprender que há cursos específicos, de como escrever um, levando em consideração que o luminar de RH que vai ler, tem no máximo 10 segundos, repito, SEGUNDOS, para ficar impressionado. A questão que me surgiu foi: “E por acaso é culpa minha se a criatura tem deficit de atenção?” Mas o fato é que, principalmente aqui nos USA, as pessoas tem uma necessidade inacreditável de estarem “busy”(ocupadas), orgulham-se de trabalhar 60 horas por semana, jamais tiram os 15 dias de férias, por lei, sempre bem menos, e tem que repetir todo o tempo que são os “melhores trabalhadores do mundo”, os mais esforçados, os mais tudo. Resultado desse “demais”, se ve no tecido da sociedade se esgarçando. Os USA que amei, quando aqui estive fazendo fellowship na Universidade da Florida e em Duke, no finalzinho dos anos 70, em nada se parecem com o que vejo agora. Implantou-se uma mentalidade de “nós versus os outros”, que assusta. Se não se fizer parte de uma congregação religiosa, não se tem vida social. Aliás, tirando Nova York, San Francisco, Los Angeles e Houston, que como digo, não são cidades americanas, mas sim esquinas de mundo, como São Paulo, a vida social também limita-se aos eventos da Igreja ou Congregação da qual a pessoa participa. E aí, mais atividade ainda. Há as missas ou cultos dos domingos pela manhã, estudos bíblicos quartas à noite, discussão da Bíblia às quintas e filminhos religiosos aos sábados. Haja tempo! Tenho a impressão, compartilhada apenas com alguns amigos do peito como supracitado chefe, de que, se tiverem um minuto de folga, vão fazer besteira na vida. Outra amiga minha, brasileira mas moradora de NY há muitos anos, tem a mais absoluta certeza que o problema Americano é sexual. Sim, diz ela, embora todas as estatísticas demonstrem que o Americano é extremamente ativo sexualmente, o é como forma de desempenhar uma tarefa, ou seja, no intervalo do jogo, por exemplo, como mais uma atividade, na rotina das coisas a fazer no dia.Faz parte da lista “To do”, o que fazer e a que horas.
Deixa prá lá, pensa esta velha italiana. Gosto demais do “dolce far niente”, do jogar conversa fora com amigos queridos, mesmo que seja só via Skype, do me encantar em minhas andadas com cachorro ( recuso-me a chamar Bella de cadela, mesmo que rime), do me esvair em gargalhadas com o que aparece no Face, do ler um bom livro, mesmo que adentre madrugada, de apreciar um bom vinho e um bom prato, de ouvir música esparramada na grama. Decididamente, estou muito busy, vivendo.

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