FLORES DE ABOBRINHA, GALINHA DE MACUMBA E OUTRAS ITALIANICES
Não sei se por causa da primeira flor de meu pé de abobrinha de apartamento, ou por causa da semana santa ou pelos horrores acontecidos semana passada, quando um senhor membro da KKK (Klu Klux Klan)simplesmente foi a um centro para idosos judeus e saiu atirando, matando 4, incluindo um senhor e seu neto, que nem judeus não eram, o avô levando neto para um concurso de canto para crianças no citado centro e, ao ser preso, não só se pôs a berrar “Hail Hitler”, como uivava a respeito da America estar sendo tomada por judeus, negros, gays e latinos, o que me levou a pensar no início dessas idéias aí no Brasil, com certos grupos de evangélicos a malharem os que seguem ritos afro-brasileiros.
E isso me levou a uma saudade imensa, de um tempo que conheci, onde aprendi a respeitar as diversas crenças por métodos muito pouco ortodoxos.
Pois bem, tinhamos chegado no sítio, em Taubaté. Segundo a maioria dos moradores da terra, meu pai era doido varrido de ir morar tão longe da cidade, ainda sem energia elétrica e o banho era um dos melhores momentos do dia, quando, mamãe na frente, com uma cesta para as roupas sujas e outra carregando os sabonetes, meu irmão e eu em fila indiana, a Ety com as toalhas e nonna Linda com as roupas limpas fechavam o cortejo, lá íamos para o riacho. Todo mundo dentro da água, crianças peladas, senhoras vestidas a lavar a criançada. Já o banho dos adultos era um assunto sem interesse algum, que envolvia muitos baldes de água aquecida indo e voltando.
Em pouco tempo, energia elétrica foi ligada e a farra, pelo menos essa, findou-se. Havia aparecido o chuveiro, no qual minha bisavó recusava-se a entrar. Só na banheira. Essa era a senhora que, após o jantar, quando sentávamos em frente à TV para assistir Reporter Esso, exigia que todos estivessemos arrumados e penteados, e com um “Buona sera anche a lei”(Boa noite ao senhor também), respondia ao locutor.
E aí, como a casa foi aumentando, e juro que nunca vi tanta reforma contínua, apareceu a necessidade de uma empregada doméstica. Entra Dona Antonia em nossa vida. Cabocla típica, sorrisão de mil dentes, morena cor de jambo, a criatura aprendeu rápido, não só o italiano, como muita coisa em dialeto bresciano, isso e o “cozinhar à italiana”, como ela dizia. Fazia uma polenta quase tão perfeita como a da nonna Linda.
A já citada nonna, não perdeu tempo em providenciar uma horta, para horror da citada Dona Antonia, ao ver uma senhora de idade, de enxada na mão, fazer brotar da terra coisas nunca dantes imaginadas. Pior, vó e crianças voltando cobertas de terra e outras coisas, ao que ela murmurava “não tá certo, não tá certo”. Levei muitos anos para descobrir que, na visão dela, os “patrões”não se sujavam, não colocavam a mão na massa, imagina então na enxada!
Já minha mãe, sempre tomada do espírito de ajuda mútua, e chocada pela visão das mulheres sentadas no chão batido em frente as casas, cercadas de crianças barrigudas de vermes, foi à luta. Com a ajuda do santo Dr. Meirelles, saiu distribuindo vermífugos, os quais também tomávamos, religiosamente a cada 6 meses. Não satisfeita, começou a distribuir sementes e a ensinar plantio e colheita. Não a deteve sequer o fato de descobrir o povo a revender suas sementes na feira da barganha. Ficou triste, mas achou que era só um percalço em sua cruzada educativa.
Bem que o “seu”Fabio, nosso vizinho no sítio do outro lado da estrada, paulistano quatrocentão de muito orgulho, com o qual aprendi a cantar o hino da revolução constitucionalista de 32, desde que, todos os anos, no dia 9 de Julho, perfilava sua cozinheira, mordomo, e eu, hasteava a bandeira de São Paulo e mandava “Coitado de quem pensa, que somos 5 ou 20, é todo o povo paulista, pedindo a Constituinte”, avisou minha mãe que seu afã europeu poderia trazer problemas. Acho que ela não entendeu a mensagem, ainda mais que por via das dúvidas, ele lhe deu de presente uma enorme figa em madeira, toda trabalhada em prata, para colocar na porta de casa.
Oras, em italiano, a palavra “figa”é tremendo palavrão, principalmente para senhoras distintas feito minha mãe, avó, bisavó e tia avó, que apesar de avermelharem e rirem sem parar por horas, depois que o gentleman se foi, pregaram a citada na porta, sem mais discussão. Só que passou a ser chamada de “la manina”(a mãozinha).
E eis que um dia, com meu pai olhando pela porta da cozinha com seu cafézinho na mão, nos chama para observar uma coisa incrível: logo ali, na frente da porta, em cima de uma toalha, estão uma galinha preta enorme,viva, com as patinhas amarradas por fita vermelha, uma garrafa de pinga e um charuto.
Reação de pai que jamais esquecerei: “Falei a vocês que esse povo brasileiro é fantástico. Olhem só o presente que nos trouxeram!”
Dona Antonia veio assuntar, e de jambo virou cinza, começando a berrar: “Jesus, Maria, José nos ajudem! É macumba seu Ve, é macumba!”com as duas mãos na cabeça, alternando com muitos sinais da cruz.
Pai, e resto da famíia que nem desconfiavam o que macumba fosse, acalmaram a agitada senhora com litros de água com açúcar (e colheradas de conhaque que minha tia avó achou por bem adicionar, só assim na dúvida), e finalmente veio a tão ansiada explicação, que, a fim e a cabo, até hoje acho que ninguém entendeu.
Meu pai coçou a careca, sinal típico que estava confuso, e veio com a solução: “Veja Dona Antonia, nós somos da terra do Papa. Seja lá o que a senhora acha que isso é, eu continuo achando que foi um presente lindo. Tão lindo que hoje a Senhora vai fazer galinha ao molho pardo (acepipe recém experimentado na casa da dona Elzira, que virou mais tarde minha madrinha, o qual todos tinham amado de paixão). E vamos comer todos juntos, com polenta, dividindo como se divide a comunhão.”
Não sei se foi “terra do papa”ou comunhão”ou sei lá, o conhaque, o fato é que tivemos a galinha para almoço, e apesar do convite para dona Antonia sentar à mesa conosco, aquilo para ela era ainda mais esquisito do que comer galinha de macumba, à qual foi comida por todos, com a polenta da nonna.
E aí começou a lenda daqueles italianos esquisitos que não só comiam flores, como galinhas de macumba, e minha infinita paixão pelos brasileiros que presenteiam com galinha, pinga e figas, que, em casa se chamam “mãozinhas”.
E até hoje lembro e sinto saudades e converso, dentro de minha cabeça, com Dinda, seu Fábio, dona Antonia, Bento, Baiano (meu babá, mas essa é outra história), Caiera, e tantos outros que me ensinaram a beleza do novo mundo, Dr. Meirelles com aquela bondade e sorrisão dele a tentar explicar a minha mãe que sal e vinagre não era uma boa idéia para ela colocar em minhas inúmeras escoriações, as freiras do Bom Conselho, as rezas na casa dos Capeletis e os terreiros lá na Bahia. Os 9 de Julho com seu Fábio e os gaúchos farroupilhas amigos do pai lá embaixo, a primeira vez que experimentei chimarrão.
E me dá uma tristeza pensar que essa beleza toda de aceitação das diferenças, que vi, sei que existe, está se perdendo porque vocês estão querendo virar americanos!
Faz isso não, gente!
E isso me levou a uma saudade imensa, de um tempo que conheci, onde aprendi a respeitar as diversas crenças por métodos muito pouco ortodoxos.
Pois bem, tinhamos chegado no sítio, em Taubaté. Segundo a maioria dos moradores da terra, meu pai era doido varrido de ir morar tão longe da cidade, ainda sem energia elétrica e o banho era um dos melhores momentos do dia, quando, mamãe na frente, com uma cesta para as roupas sujas e outra carregando os sabonetes, meu irmão e eu em fila indiana, a Ety com as toalhas e nonna Linda com as roupas limpas fechavam o cortejo, lá íamos para o riacho. Todo mundo dentro da água, crianças peladas, senhoras vestidas a lavar a criançada. Já o banho dos adultos era um assunto sem interesse algum, que envolvia muitos baldes de água aquecida indo e voltando.
Em pouco tempo, energia elétrica foi ligada e a farra, pelo menos essa, findou-se. Havia aparecido o chuveiro, no qual minha bisavó recusava-se a entrar. Só na banheira. Essa era a senhora que, após o jantar, quando sentávamos em frente à TV para assistir Reporter Esso, exigia que todos estivessemos arrumados e penteados, e com um “Buona sera anche a lei”(Boa noite ao senhor também), respondia ao locutor.
E aí, como a casa foi aumentando, e juro que nunca vi tanta reforma contínua, apareceu a necessidade de uma empregada doméstica. Entra Dona Antonia em nossa vida. Cabocla típica, sorrisão de mil dentes, morena cor de jambo, a criatura aprendeu rápido, não só o italiano, como muita coisa em dialeto bresciano, isso e o “cozinhar à italiana”, como ela dizia. Fazia uma polenta quase tão perfeita como a da nonna Linda.
A já citada nonna, não perdeu tempo em providenciar uma horta, para horror da citada Dona Antonia, ao ver uma senhora de idade, de enxada na mão, fazer brotar da terra coisas nunca dantes imaginadas. Pior, vó e crianças voltando cobertas de terra e outras coisas, ao que ela murmurava “não tá certo, não tá certo”. Levei muitos anos para descobrir que, na visão dela, os “patrões”não se sujavam, não colocavam a mão na massa, imagina então na enxada!
Já minha mãe, sempre tomada do espírito de ajuda mútua, e chocada pela visão das mulheres sentadas no chão batido em frente as casas, cercadas de crianças barrigudas de vermes, foi à luta. Com a ajuda do santo Dr. Meirelles, saiu distribuindo vermífugos, os quais também tomávamos, religiosamente a cada 6 meses. Não satisfeita, começou a distribuir sementes e a ensinar plantio e colheita. Não a deteve sequer o fato de descobrir o povo a revender suas sementes na feira da barganha. Ficou triste, mas achou que era só um percalço em sua cruzada educativa.
Bem que o “seu”Fabio, nosso vizinho no sítio do outro lado da estrada, paulistano quatrocentão de muito orgulho, com o qual aprendi a cantar o hino da revolução constitucionalista de 32, desde que, todos os anos, no dia 9 de Julho, perfilava sua cozinheira, mordomo, e eu, hasteava a bandeira de São Paulo e mandava “Coitado de quem pensa, que somos 5 ou 20, é todo o povo paulista, pedindo a Constituinte”, avisou minha mãe que seu afã europeu poderia trazer problemas. Acho que ela não entendeu a mensagem, ainda mais que por via das dúvidas, ele lhe deu de presente uma enorme figa em madeira, toda trabalhada em prata, para colocar na porta de casa.
Oras, em italiano, a palavra “figa”é tremendo palavrão, principalmente para senhoras distintas feito minha mãe, avó, bisavó e tia avó, que apesar de avermelharem e rirem sem parar por horas, depois que o gentleman se foi, pregaram a citada na porta, sem mais discussão. Só que passou a ser chamada de “la manina”(a mãozinha).
E eis que um dia, com meu pai olhando pela porta da cozinha com seu cafézinho na mão, nos chama para observar uma coisa incrível: logo ali, na frente da porta, em cima de uma toalha, estão uma galinha preta enorme,viva, com as patinhas amarradas por fita vermelha, uma garrafa de pinga e um charuto.
Reação de pai que jamais esquecerei: “Falei a vocês que esse povo brasileiro é fantástico. Olhem só o presente que nos trouxeram!”
Dona Antonia veio assuntar, e de jambo virou cinza, começando a berrar: “Jesus, Maria, José nos ajudem! É macumba seu Ve, é macumba!”com as duas mãos na cabeça, alternando com muitos sinais da cruz.
Pai, e resto da famíia que nem desconfiavam o que macumba fosse, acalmaram a agitada senhora com litros de água com açúcar (e colheradas de conhaque que minha tia avó achou por bem adicionar, só assim na dúvida), e finalmente veio a tão ansiada explicação, que, a fim e a cabo, até hoje acho que ninguém entendeu.
Meu pai coçou a careca, sinal típico que estava confuso, e veio com a solução: “Veja Dona Antonia, nós somos da terra do Papa. Seja lá o que a senhora acha que isso é, eu continuo achando que foi um presente lindo. Tão lindo que hoje a Senhora vai fazer galinha ao molho pardo (acepipe recém experimentado na casa da dona Elzira, que virou mais tarde minha madrinha, o qual todos tinham amado de paixão). E vamos comer todos juntos, com polenta, dividindo como se divide a comunhão.”
Não sei se foi “terra do papa”ou comunhão”ou sei lá, o conhaque, o fato é que tivemos a galinha para almoço, e apesar do convite para dona Antonia sentar à mesa conosco, aquilo para ela era ainda mais esquisito do que comer galinha de macumba, à qual foi comida por todos, com a polenta da nonna.
E aí começou a lenda daqueles italianos esquisitos que não só comiam flores, como galinhas de macumba, e minha infinita paixão pelos brasileiros que presenteiam com galinha, pinga e figas, que, em casa se chamam “mãozinhas”.
E até hoje lembro e sinto saudades e converso, dentro de minha cabeça, com Dinda, seu Fábio, dona Antonia, Bento, Baiano (meu babá, mas essa é outra história), Caiera, e tantos outros que me ensinaram a beleza do novo mundo, Dr. Meirelles com aquela bondade e sorrisão dele a tentar explicar a minha mãe que sal e vinagre não era uma boa idéia para ela colocar em minhas inúmeras escoriações, as freiras do Bom Conselho, as rezas na casa dos Capeletis e os terreiros lá na Bahia. Os 9 de Julho com seu Fábio e os gaúchos farroupilhas amigos do pai lá embaixo, a primeira vez que experimentei chimarrão.
E me dá uma tristeza pensar que essa beleza toda de aceitação das diferenças, que vi, sei que existe, está se perdendo porque vocês estão querendo virar americanos!
Faz isso não, gente!
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