ACIMA E ALÉM DA CONDIÇÃO HUMANA

Todo mundo teve a experiência de ter um chefe insuportável, um diretor descarado, um político sem qualquer senso de decência. Agora, aqui nos USA, estamos passando pela experiência do grupo político Tea Party (Partido do Chá, em memória dos americanos de Boston, que jogaram ao mar todo o carregamento de chá de um navio inglês, como queixa dos altos impostos da coroa inglesa sobre os americanos, o que iniciou a guerra da Independência), e, no Brasil, uma família inteira mandando e desmandando na Capitania Hereditária do Maranhão. Exemplos não faltam. O que até o momento faltava era uma explicação do por que isso ocorre. Animem-se. Chegou.

Em Janeiro de 2012, o Proceedings of the National Academy of Sciences - PNAS (revista científica mais prestigiada do mundo) publicou o seguinte artigo: "Higher social class predicts increased unethical behavior” (Classe social mais elevada prevê o aumento do comportamento antiético, tradução minha), de Paul K. Piff e Dachner Keltner, do qual tiro o seguinte parágrafo: “Sete estudos, usando métodos experimentais e naturalísticos, revelaram que indivíduos das classes altas se comportam de forma mais antiética do que indivíduos de classes mais baixas, e essas tendências antiéticas são em parte contabilizadas por suas atitudes mais favoráveis em relação à ganância.” A rede de TV ABC entrevistou o Dr. Piff, que disse: “Na verdade, a coisa se resume ao fato de que dinheiro provoca uma sensação de ter mais direitos que os outros, isto é, sentem-se no direito de saquear, pilhar, coisas que os que não tem dinheiro, não sentem.”

Para fazer as coisas mais interessantes, em Maio de 2013, Michael W. Kraus e Dacher Keltner publicaram um artigo no Journal of Personality and Social Psychology (Revista de Personalidade e Psicologia Social), com o seguinte título "Social Class Rank, Essentialism, and Punitive Judgment"(Classe Social, Essencialismo e Julgamento Punitivo), e aqui vai o sumário:

“Testamos a hipótese de que indivíduos de classes sociais mais altas seriam mais propensos a endossar as teorias leigas essencialistas de categorias de classe social (tipo racismo), do que indivíduos de classes sociais mais baixas, e essas crenças diminuem o suporte para justiça restorativa (exemplo: aquela que procura reabilitar os delinquentes ao invés de apenas puni-los). Nos estudos, quanto mais elevada a classe social, mais associada estava com o aumento do essencialismo de categorias de classe, e menos suportiva de justiça restorativa. Além disso, a associação entre classe social e teorias essencialistas potencialmente diminuem oportunidades e mobilidade sociais. Estes resultados sugerem que indivíduos que se percebem pertencendo aos alto escalões das camadas sociais estão inclinados a endossar crenças essencialistas, em parte para justificar ou legitimar sua posição social, e em parte para explicar a si mesmos que seu sucesso provém de sua superioridade, ao invés de consequência de sua crueldade ou qualquer outro traço ruim que encarnam. À medida que os pais querem que seus filhos tenham sucesso (no sentido comum do termo), para subir ou ficar no topo de uma posição social, vão ensinar às crianças a não se preocuparem com o bem estar dos outros, mas apenas de si mesmo e fazer qualquer coisa ou esmagar qualquer um, a fim de ganhar o que querem. A criança aprenderá que tem o direito de fazer isso por causa de sua superioridade inata, sua linhagem, e não por algo que faz ou fez. Por outro lado, na medida em que os pais incentivam a criança a se preocupar com o bem estar dos outros, ou não se sentir com ‘direitos de nascença’, reduzirão a probabilidade de seu filho atingir ou manter alta posição social.”

Por mais absurdo que isso nos pareça, temos exemplos que não acabam na história antiga e contemporânea, além do que é a base daquilo que, em psicologia, é chamado de Narcisismo, isto é, quando a criatura tem a sensação de que tudo lhe é devido, tem visão muito inflada da própria importância, pouquíssima habilidade de tolerar frustrações, acham que, para eles, a vida deveria ser ideal, perfeita, não precisam fazer nenhum esforço para conseguir o que querem, e os objetos de seus desejos virão a eles exatamente quando e como assim o desejarem, e quando isso não acontece, a resposta é um “furor narcísico”, que tem várias formas, desde a fofoca e falar mal de algo ou alguém, até violência, destruindo coisas ou pessoas.

Uns dias atrás, uma amiga postou o seguinte artigo no facebook: “A cada quatro dias, uma mulher é assassinada pelo companheiro no Estado” (CLIQUE AQUI), mostrando que 50% dos assassinatos são cometidos pelo marido ou companheiro e 25% por ex-companheiros, 83% dos crimes ocorrem dentro de casa, e em 50% dos casos, o motivo principal do homicídio é a separação, o que mostra claramente a ideia de posse sobre a vida de outro ser humano, que, mutatis mutandi, muito se parece com o seguinte :

“O senhor de escravos branco, cristão e inteligente do Sul (Sul dos USA) é o melhor amigo do negro. Ele não considera seus escravos como mera propriedade fiduciária, mas sim como seres humanos aos quais deve deveres. Enquanto no Norte o negro é visto como fariseu, ao qual não é permitido sequer passear pelas estradas, os cavalheiros e damas do Sul são vistos, diariamente, lado a lado, em coches e carruagens, com seus fiéis servidores... o escravo cuida de seus amos doentes e realmente chora em suas tumbas. Esses são os laços de real amizade entre brancos e negros. Esse é o relacionamento que existe de forma geral com os escravos, e de forma universal com seus servidores e seus senhores brancos.”( The Spectator, Dezembro, 6, 1859) -(CLIQUE AQUI ) e com o seguinte:

“A governadora do Maranhão, Roseana Sarney, é uma mulher de família. Herdeira do político mais longevo do país, Roseana, com 60 anos e em seu quarto mandato, mantém negócios com empresas de parentes e tem amigos e familiares ocupando postos-chaves em várias esferas de poder, o que lhe garante relativa blindagem...Levantamento aponta que, de 2009, quando ela retornou ao governo, em abril daquele ano, ao final de 2013, empresas de familiares, amigos e correligionários receberam R$ 274,1 milhões dos cofres do Estado. A segunda empreiteira que mais recebeu dinheiro do governo do Maranhão no ano passado foi a Ducol Engenharia. Ela pertence a Herny Duailibe, primo do marido de Roseana, Jorge Murad. A empresa foi denunciada pelo Ministério Público por ter recebido, em 2003, R$ 1,3 milhão para realizar diversas obras de pavimentação em municípios maranhenses, mas não teria realizado os serviços. Apesar da ação, isso não impediu Roseana de contratar a mesma construtora para realizar outras obras. (CLIQUE AQUI) e com o seguinte:

“Republicanos do Senado bloqueiam Projeto de Lei para Plano de Saúde aos que foram socorrer as vítimas da queda das torres em 11 de Setembro: Senadores republicanos obstruíram legislação para monitorar e tratar socorristas e trabalhadores de emergência que sofreram doenças relacionadas ao 11/9. A lei iria financiar um programa de saúde para o tratamento dos trabalhadores dos serviços de emergência, construção e limpeza, e dos moradores que inalaram partículas tóxicas após o colapso das torres do World Trade Center. O custo de 740 milhões de dólares da legislação ao longo de 10 anos, seria pago por uma disposição que impede as empresas multinacionais estrangeiras de usarem paraísos fiscais para evitar impostos sobre o rendimento nos EUA. Senador Harry Reid, democrata, disse: “Os Republicanos negaram cuidados de saúde adequados aos heróis que desenvolveram doenças por terem corrido para edifícios em chamas em 11/9. No entanto, farão de tudo para dar incentivos fiscais a milionários e executivos, embora isso vá explodir nosso déficit e não criará qualquer emprego. Isso diz tudo o que você precisa saber sobre as suas prioridades”. (CLIQUE AQUI)

E já que disse que exemplos abundam, aqui vão os dois últimos, dignos de prêmio, caso houvesse um para a categoria “Acima e além, sem medo ou pudor”: “Republicano do Wisconsin faz projeto de lei para reduzir os pagamentos de apoio aos filhos de doadores ricos: Doador republicano Michael Eisenga e seu advogado, William Smiley, forneceram instruções detalhadas para o deputado republicano Joel Kleefisch sobre como fazer legislação a respeito de severamente limitar os pagamentos de pensão dos ricos. Kleefisch começou a trabalhar na citada legislação ano passado, semanas depois que um tribunal de apelações rejeitou as tentativas de Eisenga para reduzir seus pagamentos a seus filhos. Os documentos, disponíveis no site da legislatura do Wisconsin, deixam pouca dúvida de que o projeto de lei foi escrito com as especificações do Eisenga”.( CLIQUE AQUI)

E o máximo de todos os máximos: “Garoto de 16 anos mata 4, dirigindo bêbado, no Texas, mas como um psicólogo o definiu como vítima de ‘afluenza’, ou seja, por ser o produto de pais ricos e privilegiados que nunca lhe colocaram limites, ganhou 10 anos de liberdade vigiada, tempo nenhum na cadeia, e foi para uma clinica na Califórnia, cujo preço de internação é a bagatela de 450 mil dólares a cada 6 meses”. (CLIQUE AQUI)

Pronto. Nem precisei usar exemplos dos Césares ou dos Borgia, que prontinhos estavam.

Finalmente, entendemos. Mas entender, não quer dizer aceitar. Trinco os dentes todas as vezes que escuto algum desavisado soltar o verbo a respeito de como Freud e sua psicanálise trouxeram desculpas e falta de responsabilidade às pessoas, por culpar tudo o que fazem na criação que tiveram. E trinco os pobres dos dentes porque cansei de explicar que psicanálise não é um processo de “perdão”pessoal. A isso se chama o que o padre faz depois da confissão, ou pelo menos fazia, já que faz muito tempo que não vou a uma e, possivelmente as coisas mudaram. Psicanálise, como pensada pelo seu criador, é um processo de compreensão e de assunção de responsabilidades pessoais. Exatamente o contrário de como estamos vivendo. Esses estudos são assustadores por nos mostrarem o tamanho da hipocrisia que vivemos. Será que se estivéssemos no lugar da Roseana, faríamos diferente? Criamos nossos filhos com valores ou com preços? É mais fácil tomar uma atitude ou dar esmolas para crianças nas ruas?

Não estou aqui defendendo a posição Roussouniana e maniqueísta de que “ricos são maus, pobres são bons”, já que não gosto nem de Rousseau nem de maniqueísmos, e há exemplos de sobra de riquíssimos usando seu dinheiro para melhorar condições mundo afora, dois que me vem à mente, de cara, são Bill Gates e Warren Buffet. O que estou dizendo é que esse estado de coisas em que nos encontramos, necessita, para continuar, de duas coisas: 1- Que muita gente concorde e, 2- Que a maioria discordante não faça nada a respeito.

E isso me lembra do discurso de Martin Niemöller, em Frankfurt, Janeiro de 1946:

“Quando os Nazistas perseguiram os comunistas
Fiquei calado
Eu não era comunista
Quando eles prenderam os sociais democratas
Fiquei calado
Eu não era social democrata
Quando foram atrás dos membros dos sindicatos
Fiquei calado
Eu não era sindicalista
Quando vieram para os Judeus
Fiquei calado
Eu não era judeu.
Quando vieram me pegar
Não havia ninguém mais para falar”.

Então, feliz ano novo, feliz pensamentos novos e felizes posturas novas.

E é agora que se bota a boca no trombone, ou para sempre nos calamos e deixamos como está para ver como é que fica. Não está nada bonito.

Comentários

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