AGORA DEPRIMI!

Já descrevi, em prosa e verso (muita prosa e pouco verso), minha paixão pelo cérebro. Não me canso de ler as descobertas fantásticas que têm aparecido, numa velocidade cada vez maior, e há dias que não dou conta de ler todos os emails que chegam. Me delicio com as possibilidades que a tecnologia me dá, tipo fazer pesquisa em pijamas, às 3 da madrugada, se me der na telha e estiver com insônia, o oposto de passar o dia na ABIREME, maior biblioteca médica da America Latina, disputando vaga para tirar Xerox, e tendo o trocado contadinho, porque a senhora deusa operadora da máquina detestava ter que dar troco. Por 5 dólares anuais, tenho acesso a toda publicação da área, em 4 línguas diferentes. Muito, muito além de meus sonhos. Aliás, meu sonho na época da ABIREME era colocar pimenta nas calçolas da citada senhora, desde que, além do problema do troco, tinha óbvia preferência pelos meninos de branco. Se fosse loiro e de olhos claros, então... Mas enfim, deixemos ir com um sorriso meio saudoso essas memórias de juventude, e vamos à depressão que me ataca nesse momento, exatamente pelo mesmo cérebro do qual tanto me ufano. Pois estava eu lendo um artigo de Dan Kahan, professor de Direito em Yale, chamado "Motivated Numeracy and Enlightened Self-Government”, que traduzindo significa “Aritmética Motivada e Auto Gerência Esclarecida”, quando deprimi. Não, não me tornei uma apaixonada pelo direito, nem mudei minha ideia a respeito de advogados, é que, como um dos meus últimos grandes interesses é o Raciocínio Motivado, sobre o qual tem um post aqui no blog, só coloquei mais essa tag no PubMed, livraria internética, e recebo o que escrevem a respeito, não importa se neuros, psicólogos, até mesmo advogados, como é o caso. E a depressão se deve ao fato de que este senhor me demonstrou em números, que o poder da emoção sobre a razão não é apenas um erro em nosso sistema operacional cerebral, coisa na qual sempre acreditei piamente, e mais ainda, que tal erro poderia ser tranquilamente corrigido com fatos, educação, treinamento. Não, meus amigos, não é um erro, mas sim uma característica...lágrimas rolam!

Falta de informação não é o problema. O problema é como nossa mente funciona, não importa o quão inteligentes, esclarecidos, informados, etc. e tal pensamos que somos. Queremos acreditar que somos racionais, mas a razão acaba por ser apenas a racionalização daquilo que nossas emoções querem acreditar a priori.
Mas vamos ao experimento de Khan, que foi a respeito de como a paixão política repercute na maneira das pessoas pensarem claramente, e o que ele descobriu é que o partidarismo político (e não tem a menor importância se de direita, esquerda, de cima ou debaixo) prejudica nossas habilidades básicas de raciocínio. Nas palavras do próprio: “Pessoas que são muito boas em aritmética podem errar totalmente a solução de um problema, simplesmente porque a resposta correta vai contra suas crenças políticas”.

E já se foi uma caixa de Kleenex.

Para piorar tudo, há um link no artigo, que me remeteu aos estudos de Brendan Nyhan, cientista político e professor assistente de Políticas Governamentais na Universidade de Dartmouth, que vem fazendo experimentos a respeito da questão “Os fatos importam?”. E a resposta: “Na realidade, não, ou seja, quando as pessoas estão mal informadas, fornecer-lhes fatos para corrigir esses erros só faz com que se apegam à suas crenças mais tenazmente”.

Vejam o que ele descobriu em suas pesquisas:
Pessoas que pensavam que foram encontradas armas de destruição em massa no Iraque acreditaram mais ainda na desinformação quando lhes foram mostradas notícias corrigindo a já citada desinformação.
Pessoas que pensavam que George W. Bush proibiu todas as pesquisas com células tronco não mudaram de ideia, mesmo quando lhes foram mostrados artigos descrevendo que só algumas das pesquisas financiadas pelo governo federal foram interrompidas.
Às pessoas que disseram que a economia era, para eles, a questão mais importante, e que desaprovavam o registro econômico do Obama, foi mostrado um gráfico de emprego em relação ao ano anterior - uma linha ascendente, adicionando cerca de um milhão de empregos. Foram questionados se o número de pessoas com empregos tinha aumentado, diminuído, ou ficado na mesma. Muitos, olhando diretamente para o gráfico, disseram: diminuído.
Agora, para os mesmos participantes, foi pedido que, antes de ver o gráfico de novo, escrevessem algumas sentenças a respeito de uma experiência que os tivesse feito se sentir bem com eles mesmos. Quando o mesmo gráfico foi mostrado, um significante número deles mudou de ideia a respeito da economia. Conclusão: se você passa um tempinho afirmando seu valor e o quanto você é bom em alguma coisa, até sua ideia sobre economia muda.

Aqui comecei a sorrir de novo, porque me lembrei das velhas lições dos bons mestres a respeito de como lidar com ideias paranoides ou psicóticas: jamais, nunca, em tempo algum, negue aquilo que o paciente está dizendo, mesmo que ele esteja conversando com seres púrpura do planeta deus me acuda. E foi armada dessas lições, que convenci a mãe de um paciente, defunta há 10 anos, que absolutamente não havia qualquer necessidade dele me matar, e até puxei uma cadeira para ela. E sorrio porque mutatis mutandi, economia, política, psicologia e neurociência só fazem parte dessa torta, às vezes queimada, às vezes meio crua, às vezes ótima e às vezes estragada, que somos nós humanos.

Mas, deixemos de divagações e voltemos aos experimentos do Kahan, nos quais ele pediu aos participantes que interpretassem uma tabela a respeito de um creme para pele, que reduzia brotoejas.
Depois, lhes foi mostrada a mesma tabela, mas a questão era se uma lei proibindo cidadãos comuns de portarem armas tinha reduzido a criminalidade. A conclusão foi que, quando os números na tabela conflitavam com a posição das pessoas a respeito do controle de armamentos, não conseguiam fazer as contas direito, embora tivessem feito as contas perfeitamente a respeito do creme para brotoejas. Pior, e aqui abro nova caixa de Kleenex, quanto mais avançado fosse o conhecimento em matemática dos cidadãos em questão, mais chance de que suas ideias políticas, não importando se liberais ou conservadoras, os tornassem menos capazes de resolver problemas matemáticos.

E aqui realmente me desespero, e pelo mesmo motivo que essas pesquisas foram feitas: porque é duro, muito duro para mim, abrir mão da minha fé em fatos, da crença que educação, treino, informação transformam tudo. Não mesmo. A evidência esteve ululantemente óbvia todo o tempo, nos menores detalhes, senão vejamos:
Por acaso algum comunista de peso, deixou de sê-lo, quando a extinta URSS entrou em Praga, esmagando a famosa Primavera? Nenhum.
Algum direitista convicto deixou de dar apoio aos militares, mesmo depois que os mortos foram contados, os desaparecidos chorados, e toda a porcaria veio à tona? Não
Aprendemos com a história? Nem pensar.
Já viu alguém que acredita em vidas passadas, mudar de ideia pelo fato de que o número de humanos nesse mundo só aumenta, onde estariam todas essas alminhas antes? Jamais
Já viu algum ateu mudar de ideia frente a um, assim chamado, milagre? Necas.
Já pensou que posso achar que o cérebro não é tão fantástico quanto parece? Esqueça meu caro, racionalizo até meu último sopro, de que, enfim, com cuidados como boa educação desde a infância, este pequeno pormenor pode ser perfeitamente superado...e assim caminha a humanidade, e eu vou junto nesta, mesmo que às vezes deprimente, mas, sem dúvida, interessantíssima aventura que é a vida.

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