COMO TERAPEUTAS VIVENCIAM O LUTO - ROBIN WEISS

Recebi este artigo de grande amiga e excelente psicologa, cujo nome não citarei, pois não pedi licença, num momento importante da vida dela, que perdeu o pai há pouco tempo, e o marido há alguns anos. Fora nossa história de trabalho em conjunto, temos a história de 2 alienígenas caídas numa cidadela do interior texano, eu recém-chegada do Brasil, ela de Houston, ambas de cidades grandes tentando nos adaptar a um mundo estranhissimo. Nossa sorte é que trabalhavamos em Fort Worth, ela um dia por semana, eu todos os dias, o que nos salvou do ensandecimento (pelo menos era o que dizíamos uma à outra, os maridos concordando, pois, outra saída não tinham). Rapidinho, montamos uma rotina de café às quartas feiras, às 2 da tarde, chovesse, nevasse ou fizesse sol, andadas à noitinha com minha cachorra Lucky, 3 vezes por semana e as datas importantes: Reveillon, na minha casa, jantar e champagne. Cerimonia do Oscar no mesmo local, com pizza feita por mim, vinho trazido por ela, e enquanto o marido dela e o meu se estufavam com a citada, nós duas falávamos mais que a boca e continuo achando que nossos comentários eram mais interessantes que a cerimônia em si. Quatro de Julho no clube, todos se estufando de cachorro quente e hamburgers, com final de fogos. Todos os feriados judaicos na casa dela, assim como o Thanksgiving, no qual o marido dela, que era cirurgião plástico, tinha a honra de destroçar o peru, assistido e aplaudido pela platéia cheia de fome, constituida, além de uma italo/brasileira e de um galês, de todos os filhos e filhas dele com maridos e esposas, cada qual de um canto do mundo. E as graças dadas na lingua materna de cada qual, o que levava cerca de meia hora entre discurso e aplausos frenéticos da galera que já havia atacado os vinhos no momento do corte do peru. Natal em casa, com direito a árvore, músicas natalinas e uma mistura de comidas típicas de Natal de todos os continentes conhecidos. E assim sobrevivemos, vivemos e nos divertimos na cidade da “água louca”, que é uma outra história, que contarei de outra vez.
Assim, tenho que traduzir o artigo, não só pela beleza dele, mas como uma homenagem à minha amiga. חופשי על הבר Dr. GBB, PhD e a todos os psicólogos e psiquiatras esforçados que tive a sorte de conhecer vida a fora.

“Um dia, logo depois de sua biópsia cerebral, fui visitar Joseph no hospital, carregando dois sanduíches de corned beef (o nome em inglês é lindinho, mas é carne em lata) em pão de centeio. Achei de almoçarmos juntos, da melhor forma possível, agora que ele entra e sai da consciência.
Entro no quarto.Estou com sorte! Joseph está acordado. Ansiosamente ele desembrulha o sanduíche e coloca o picles amorosamente ao lado de uma das metades. Tira a parte de cima do sanduíche e inclina a cabeça para o lado para dar uma olhada.
“Sem gordura? ”A voz dele aumenta, com incredulidade. A auxiliar de enfermagem, sentada no canto, que nos havia ignorando até agora, baixa um canto do jornal que estava lendo, para compartilhar um olhar com Joseph, que também arqueou uma sobrancelha. Eles se unem em desprezo. Eu posso ser médica, mas meu QI para carne enlatada é baixo.
"Dr. Weiss ", diz Joseph, de um jeito quase parecido com sua tonitruante voz, "Da próxima vez que me trouxer corned beef ... por favor, não me traga magro."
Eu sorrio. Este é o Joseph que conheço tão bem. Mas vai ser a última frase coerente que vou ouvir dele. Dois meses mais tarde, estarei em seu funeral.
Abro meu arquivo e tiro vários prontuários: pacientes que morreram enquanto eu os estava tratando, ao longo dos últimos 20 anos em que estive trabalhando em consultório como psiquiatra. Estou juntando material para escrever sobre como os terapeutas sentem quando um paciente morre. Faço algumas observações.
Em primeiro lugar, vejo que os prontuários permanecem no meu "ativo" no arquivo, não os mudei para o arquivo "inativo" - seu verdadeiro lar.
Em segundo lugar, noto que tenho desenvolvido um ritual automático de recordação. Sempre que meus dedos tocam numa pasta de um paciente morto, paro e fecho meus olhos por um breve momento. Presto uma homenagem silenciosa ao falecido.
Aqui há munição para a fábrica interpretativa. Estou pedindo perdão por ter cometido erros? Por não ter feito o suficiente? Talvez esteja afastando meus próprios medos de ser trancada e esquecida algum dia.
Seja qual forem os outros significados contidos nestas pequenas cerimonias privadas, acredito que falam principalmente do isolamento do terapeuta quando os pacientes morrem, e nós humanos, precisamos criar rituais quando a morte ocorre. Os terapeutas normalmente não socializam com as pessoas na vida de seus pacientes. Não há ninguém para chamar e falar sobre Joseph – não há família ou amigos com quem partilhar memórias, rir ou chorar.
Não me entenda mal; não estou pedindo simpatia ou pena. Não há comparação entre a minha perda e a dos familiares e amigos de um paciente. No entanto, este é um aspecto da minha profissão que raramente é discutido: Assim como o que ocorre na terapia, ocorre a portas fechadas, assim também o faz o luto do terapeuta depois que um paciente morre.
Terapeutas choram e se lamentam sozinhos.
Antes de saber que um enxame de células cancerosas estava invadindo o cérebro de Joseph, pensei que ele e eu poderíamos estar chegando a algum lugar – contra todas as probabilidades. Joseph era um homem talentoso e peculiar, com inúmeros planos para o futuro. No entanto, uma cascata de emergências teve que ser abordada durante os primeiros anos de sua terapia. Seus negócios em mau estado, laços familiares tensos e amigos alienados tinham sido nosso foco, por pura necessidade. Mas nos últimos meses algumas peças mais fundamentais foram se encaixando.
Quando criança, ele nunca foi ouvido. Há mais do que isso, é claro, mas sua crença de que seus pais realmente não podiam ouvi-lo era profunda. Ele estava sendo ouvido em terapia. Talvez agora não precisasse mais gritar o tempo todo.
No que seria a nossa última sessão no meu consultório, Joseph chegou muito atrasado, como sempre. Ele sentou-se na poltrona, contorcendo-se com as dores da artrite, e soltou um gemido existencial: "Oy, gottenyu- ist mir vey." Querido Deus - ai de mim. Ele enxugou a testa com um lenço à moda antiga.
Suas tiradas, ditas em voz tão alta que se sobrepunha ao barulho suave da máquina de ruído branco e chegavam aos ouvidos curiosos de meu próximo paciente, na sala de espera, tinham dado lugar, em sessões como esta, para lágrimas de remorso. No entanto, ainda era difícil ver exatamente como ele iria mudar de vida. O destroço de tantas explosões emocionais com aqueles mais próximos a ele havia bloqueado as vias para o perdão, deixando-o isolado e solitário.
Joseph sabia que eu me divertia a ouvi-lo se referir a mim como "Weiss", e ele brincou, ao sair da sessão, "Eu vou dizer a Rosenbaum que Weiss e eu fizemos um bom trabalho hoje." (Seu amigo Rosenbaum o estava pressionando para "resultados já" com a terapia.)
Então veio uma crise médica súbita e um rápido declínio. Toda a terapia se baseia na esperança de um futuro melhor, e contamos com a possibilidade de ter tempo para isso. Mas o tempo de Joseph tinha acabado.
E aqui vai um segredo que os terapeutas raramente admitem: Nós, frequentemente, acabamos por amar nossos pacientes.
Não estou falando de contratransferência (que é quando o terapeuta desenvolve sentimentos descabidos em relação a um/uma paciente, os quais resultam de relacionamentos mal resolvidos ou vividos na própria vida do terapeuta).
Eu estou falando sobre o amor real, o que surge após anos de ser de alguém que o psicanalista D.W. Winnicott chamou de "mãe suficientemente boa", ou seja, a que fornece o ambiente adequado para o desenvolvimento normal de uma pessoa.
Um terapeuta pode gastar centenas de horas, talvez mais de mil, a ouvir sobre as aspirações mais exaltadas até as mais horrendas fantasias de ódio. Durante este tempo, o paciente vai passar por perdas excruciantes, vergonhas insuportáveis, amarga tristeza e grandes triunfos. Você pode acompanhar os pacientes desde uma adolescência problemática até uma idade adulta torturante. Ou você pode encontrá-los na meia idade e estar com eles à medida que envelhecem e acabam por morrer. Você colabora em um profundo processo de descoberta.
Poucos encontros são tão profundamente honestos, e, portanto, íntimos. O apego gera sentimentos profundos, um tipo particular de amor.
Eu tive amor de terapeuta por Joseph.
No funeral de Joseph, tomo meu lugar na última fila - local do terapeuta - Kleenex na mão. Eu não estou aqui para ser vista ou para o bem da família. Estou aqui pelo meu desejo de dizer adeus ao meu paciente.
Personagens familiares povoam a sinagoga. Lembro-me deles das histórias que ouvi ao longo dos anos em terapia com Joseph. Vejo seus amigos, inimigos e familiares em carne e osso. Sei mais sobre sua vida emocional do que qualquer um aqui. E também sei um pouco sobre essas pessoas - a partir da perspectiva de Joseph, é claro - mais do que eles gostariam de saber o que sei. Que é outra razão pela qual fico escondida na fila de trás: não quero causar desconforto.
O funeral termina. Todos congregam para consolar uns aos outros. Eu escorrego para fora do prédio escuro, para uma luz solar chocante. Em breve eles vão se reunir e comer o meu tipo favorito de comida - bagels, queijo cremoso, ovos cozidos e peixe defumado. Por um momento, eu gostaria de poder me juntar a eles. Eles vão rir até chorar em intermináveis histórias engraçadas do Joseph. Eles vão começar o processo normal de luto, solidificando as suas imagens internas do morto, memórias que vão nutrir e que serão embelezadas, suavizando as bordas abrasivas, assim como deve ser.
Deixo a sinagoga com seus segredos intactos. Suas esperanças e seus sonhos maravilhosos são meus para guardar, para homenageá-lo, até que eu perca a minha própria memória, ou que morra."

Detalhes foram alterados para proteger a privacidade do paciente.
Dra. Robin Weiss é psiquiatra em Baltimore, Maryland, afiliada University of Maryland Medical Center e trabalha na área há 37 anos.

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