MITOS, FALSAS IDÉIAS E APRENDIZADO: COMO MITOS SOBRE O CÉREBRO ESTÃO PREJUDICANDO O ENSINO.

Já falei bastante aqui de “Raciocínio Motivado” ou “Polarização da Confirmação”, definições científicas do velho e bom Preconceito, que é a tendência a procurar, interpretar, ou priorizar as informações de formas que confirmem nossas crenças ou hipóteses. É um assunto que me fascina, por vários motivos: primeiro que vai totalmente contra a lógica, pois deveria ser óbvio que, quanto mais informação temos, mais nossa capacidade de discernimento deveria melhorar. Falso. Total e completamente falso. Só aumentamos nosso conhecimento nas áreas que de antemão nos interessam. Atesto por mim mesma, ao me perguntar quantos artigos li, nos últimos 10 anos, em ginecologia e obstetricia. Triste resposta, é que não me lembro de ter lido nenhum. Pior, nem sequer chequei o quadradinho apropriado quando escolhi minhas coisas no Medlinx, e olha que coloquei coisas esquisitíssimas, tipo genética evolutiva.

O segundo e mais importante ponto, além de meu desgosto com a citada matéria desde tempos de faculdade, é o das consequências deletéias e desastres, causados por essa polarização, e nem sequer estou falando de política, guerras e irracionalidades maiores ou menores que perfazem nosso dia a dia.
É feio abrir o jornal e ver um pai matando a filha de pancadas, literalmente, pela recusa da menina, de 12 anos, de casar com o escolhido da família, de 46; ou ver na TV o povo do ISIS decapitando mulheres e jogando os corpos nas ruas, porque, pecado dos pecados, eram professoras, advogadas, enfim, mulheres que de certa forma recusaram o papel tradicional de absoluta submissão. É mais feio ainda, pensar, como pensei inicialmente, “que horror esse povo que não saiu do século 11, bárbaros imbecis.”

É terrivel, porque esse pensamento é simplesmente uma forma educada do uso do raciocínio motivado, ou seja, me “separo”desses trogloditas, não preciso fazer nada a respeito, porque estão lá longe, não fazem parte de meu mundo organizado e racional (em tese), e como cerejinha em cima do bolo, ainda me sinto muito virtuosa por não fazer parte desse grupo, como se tivesse sido conquista pessoal o acidente geográfico que me fez nascer no norte da Itália, dentro de um momento histórico específico, numa cultura específica.

Pois declaro neste momento, o início de minha batalha pessoal contra o raciocínio motivado, pelo menos o meu. Calma que não vou sair caçando terroristas insanos, ou virar vigilante urbana, ou de qualquer outra espécie. Falta-me total vocação para a coisa, além de considerar que terroristas/vigilantes/fanáticos de qualquer espécie, cor ou credo, nada mais são que lados opostos da mesma moeda.

O que, mais do que posso, quero fazer, é um trabalho de desmistificação. Vai funcionar? Não faço idéia.Mas, se não começar, nunca que vou saber.

Há um tempinho atrás, li o artigo “How myths about brain are hampering teaching” (Como mitos sobre o cérebro estão prejudicando o ensino- link no final), detalhando o seguinte experimento:
Foi apresentado a professores na Inglaterra, Holanda, Turquia, Grécia e China, 7 dos assim chamados “mitos neurológicos”, e lhes foi perguntado se acreditavam nos mesmos.

Os chocantes resultados:

-Mais de ¼ dos professores, na Inglaterra e na Turquia, acreditavam que o cérebro encolhe se bebermos menos de 6 a8 copos de água por dia.
-Mais da metade de todos os professores acredita que os alunos só usam 10% de seu cérebro e que crianças ficam menos atentas depois de beber qualquer coisa açucarada ou comer um lanchinho.
-Mais de 70% de todos os professores, de todos os paises, acreditam que os alunos ou usam o cérebro direito ou o esquerdo, porcentagem essa que chegou a 91% na Inglaterra.
-Mais de 90% dos professores de todos os paises, “sentem”que ensinar no estilo preferido do aluno (auditivo, visual ou cinestésico), ajuda muito, apesar de não haver qualquer evidência que suporte isso.

O Dr. Paul Howard-Jones, da Bristol University e autor do artigo diz o seguinte: “Essas idéias são vendidas aos professores, como se tivessem base nas neurciências, embora a própia neurociência não suporte nenhuma dessas idéias, as quais, além de não terem qualquer valor educacional, usualmente estão associadas a pobre desempenho em salas de aula.”
O relatório culpa desejos, ansiedade e tendência a explicações simples como fatores típicos que distorcem o fato, tornando neurociência em neuromito. Tais fatores também parecem estar prejudicando os esforços recentes de neurocientistas para comunicar o verdadeiro significado de seu trabalho para os educadores.
Ainda segundo o Dr. Howard-Jones “Embora o aumento do diálogo entre a neurociência e educação seja encorajador, vemos novos neuromitos aparecendo, além dos antigos retornando em novas formas. Às vezes, a transmissão de mensagens "simplificada" sobre o cérebro, para os educadores, pode gerar mal-entendidos e confusões sobre conceitos como plasticidade cerebral, coisa muito comum nas discussões sobre política de educação "
.

O relatório destaca várias áreas onde novas descobertas da neurociência estão sendo mal interpretadas pelos educadores, incluindo ideias relacionadas com o cérebro e investimento educacional precoce, o desenvolvimento do cérebro do adolescente e distúrbios como a dislexia, TDAH e outros distúrbios do aprendizado.

A análise conclui que, no futuro, essa colaboração será muito necessária, pois a educação e treinamento devem ser enriquecidos, e não enganados pela neurociência.

Para isso, há um novo campo que está se desenvolvendo rapidamente, que é a “neurociência educacional”, campo que engloba ensino e neurociência. E é nesse que vou, feliz feito cavalo selvagem correndo em pradarias (OK, a imagem é um pouco demasiada para uma senhora em minha faixa etária, mas quem se importa? O sonho é meu, ninguém tasca, eu vi primeiro!)

Estou me divertindo, como não me divertia há muito, montando séries de neuropsiquiatria em quadrinhos. Vamos ver como funciona.

E só para dar água na boca, aqui vão os 7 neuromitos apresentados aos professores na citada pesquisa:

-No geral, usamos apenas 10% de nosso cérebro.
-Indivíduos aprendem melhor quando recebem informação em sua forma preferida de aprendizado (por exemplo, visual, auditiva ou cinestésica)
-Sessões curtas de exercícios de coordenação podem melhorar a integração da função cerebral dos hemisférios esquerdo e direito.
-Diferenças na dominância dos hemisférios (cérebro direito ou cérebro esquerdo) explicam diferenças individuais dos estudantes.
-Crianças ficam menos atentas depois de lanches e/ou ingestão de bebidas açucaradas.
-O cérebro encolhe se bebermos menos de 6 a 8 copos de água por dia.
-Problemas de aprendizado associados a diferenças no desenvolvimento das funções cerebrais, não podem ser remediados por treino/educação.

Agora, se os professores acreditam no acima, dá para imaginar o que está sendo passado aos alunos?

COMO MITOS SOBRE O CÉREBRO ESTÃO PREJUDICANDO O ENSINO http://www.neuroscientistnews.com/research-news/myth-conceptions-how-myths-about-brain-are-hampering-teaching

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