MITOS E TRAGÉDIAS NA ÁREA PSI

Sei que anunciei que esta semana falaria de mais mitos, incluindo:


Dependência a drogas é falta de força de vontade; e as pessoas se tornam psicóticas assim, de repente, sem aviso prévio.

Mas, em vista de acontecimentos tão trágicos como o da semana passada no Colorado, vou tentar juntar o mito, a mídia e nossos sintomas sociais, tentando matar um bando de coelhos com uma cacetada só.

Culpa disso foi assistir o Today Show, de manhã cedinho, porque eles estão fazendo uma cobertura fantástica das Olimpíadas, e, como boa não atleta, sou fascinada por elas. Assim, estava eu a postos para me deliciar com o visual da coisa toda, quando, naturalmente, lá vem a entrevista com uma advogada e uma psiquiatra a respeito do caso em Colorado. Prestei atenção. Prestei muita atenção, e o que entendi foi: a) a advogada não faz ideia do que seja um distúrbio psiquiátrico, confundindo psicopatia com esquizofrenia, distúrbio de personalidade com crenças religiosas, e, no todo, fazendo uma salada de nomes pseudo psiquiátricos e pseudo científicos; b) a psiquiatra, mantendo-se no lado politicamente correto do não–me-envolvo, cá–estou-para-esclarecer-sem-dizer-coisa-nenhuma, fez exatamente isso.

Então vamos definir alguns termos:

Esquizofrenia: Distúrbio mental que faz com que a pessoa enfrente enormes dificuldades em:

a)Saber a diferença entre o que é e o que não é real
b)Pensar claramente
c)Ter respostas emocionais normais
d)Agir normalmente em situações sociais.

Ainda não se sabe exatamente o que causa, mas é quase certo que seja de origem genética, sendo mais comum em pessoas que tenham alguém na família com esquizofrenia, autismo ou distúrbio bipolar. Pode ser desencadeada por eventos estressantes em pessoas que tem o risco genético, afeta homens e mulheres do mesmo jeito (só que em homens costuma aparecer mais cedo e os sintomas serem mais acentuados), e os sintomas se desenvolvem lentamente por meses ou anos.

Pessoas com esse tipo de problema tem dificuldade de fazer e manter amigos, estudar e trabalhar.
Também podem ter problemas com ansiedade, depressão, pensamentos e/ou comportamento suicida (veja o post anterior onde isso tudo foi descrito no “atirador do cinema” em São Paulo, e o retraimento social do “atirador do cinema” no Colorado)

No início, os sintomas podem ser tão inespecíficos quanto irritabilidade, tensão ou dificuldade em dormir, mas isso progride para problemas muito mais sérios com pensamentos, emoções e comportamento, tais como:

Comportamentos bizarros (isto é, que absolutamente não cabem na cultura na qual a pessoa vive. Um exemplo perfeito é dado pelo atirador brasileiro, que um dia saiu para correr, sentiu calor e rasgou seus jeans)

Ouvir ou ver coisas que não estão lá - alucinações visuais e auditivas (tive uma paciente uma vez, que começou a quebrar todas as TVs da casa, pois claramente ouviu o Cid Moreira, mais do que uma vez, dizer que “eles iam pegá-la”).

Isolamento (o atirador do Colorado nunca teve um único amigo, do qual alguém possa se lembrar. Mesmo relato em relação ao brasileiro).

Falta de resposta emocional ou emoção totalmente incongruente com a situação (veja as fotos do atirador do Colorado, antes e no tribunal.)

Crenças fortemente arraigadas e que não são reais - delírios (o atirador do Brasil, achava que todo mundo o perseguia, e, como consequência, agrediu vários. O do Colorado, achou que era o Coringa, arqui inimigo de Batman, e agiu de acordo).

Pensamentos que “pulam” de um tópico a outro.

Claro que os sintomas dependem do tipo de esquizofrenia, e o tipo também pode mudar ao longo do decurso.

A confusão começa pelo mito de que doentes mentais são também retardados, e nada pode estar mais longe da realidade. John Forber Nasch, matemático e pesquisador na Universidade de Princeton, ganhador do Premio Nobel de Economia em 1994 (o filme “Uma Mente Brilhante” é uma romantização de sua vida), esquizofrênico paranoide desde adulto jovem, e seu primeiro delírio foi achar que todos os que usavam uma gravata vermelha eram componentes de um complô comunista que visava matá-lo. Sua reação ao complô lhe rendeu a primeira hospitalização, onde foi diagnosticado.

Outros esquizofrênicos famosos incluem um dos filhos de Albert Einstein, Eduard Einstein, considerado, ao contrário de seu pai, aluno brilhante; o filho do famoso Dr. Watson, codescobridor da dupla hélice do DNA; Vaclav Nijinsky, famosíssimo dançarino russo; Syd Barret, da banda Pink Floyd, e tantos outros.

Uma pessoa com esquizofrenia pode praticar atos horrendos, achando que está fazendo a coisa certa, embora seja muito mais raro do que nos assim chamados “normais”.

Creio que todos se lembram de Andrea Yates, que matou seus 5 filhos, afogando-os na banheira de sua casa, em Houston/TX, em 2001 - outra jovem brilhante, capitã do time de nado, formada em Enfermagem e considerada excelente em sua área no prestigiosíssimo hospital MD Anderson. Sua primeira psiquiatra testemunhou que tinha aconselhado o casal a não ter mais filhos, devido às tentativas de suicídio de Andrea depois do nascimento do terceiro e quarto filhos.

O problema é que, obviamente, há muito mais cobertura da mídia em eventos como esses, do que nos pequenos horrores diariamente praticados. Quantas pessoas morrem, diariamente, devido a assaltos?

Entremeando tudo isso, há o que chamo de “Cultura Hollywood”, que tem como princípio confundir totalmente o meio de campo, e é constituída por jornalistas que não têm ideia do que estão fazendo, celebridades que adoram dar palpite no que não entendem, “peritos” de TV puxando brasa para sua sardinha, e filmes e mais filmes sobre o assunto, mostrando o doente mental como ser violento e perigoso.

Nessa salada, o esquizofrênico é confundido com o psicopata, que é um termo leigo para o que se chama Distúrbio de Personalidade do tipo Antissocial, maravilhosamente descrito no livro “A máscara da sanidade” do Dr. Hervey Cleckley, que define o psicopata como uma perfeita imitação de normalidade, capaz de mascarar ou disfarçar sua falta fundamental de estrutura e emoções genuínas.

Mas disso falaremos no próximo capítulo.

Comentários

  1. Muito interessante e pertinente a colocação de hoje. Os mitos e esteriótipos vão criando mais e mais esse ambiente de preconceito sobre as doenças mentais, afastando as possibilidades de uma vida mais integrada socialmente das pessoas que já carregam essa dor. E, muitas vezes, o preconceito começa na própria família! Que esse movimento de divulgação e esclarecimento possa ajudar na reversão desse quadro.

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